Estamos na vigília do dia em que celebraremos os cinquenta anos da inauguração do Concílio Ecumênico Vaticano II e o início do Ano da Fé.

Com esta Catequese, gostaria de começar a meditar – com alguns pensamentos breves – sobre o grande acontecimento eclesial que foi o Concílio, evento do qual fui testemunha direta.

Bússola para navegar com segurança

Ele, por assim dizer, manifesta-se-nos como um grande afresco, pintado na sua grandiosa multiplicidade e variedade de elementos, sob a guia do Espírito Santo.

E como diante de um grande quadro daquele momento de graça, ainda hoje continuamos a receber a riqueza extraordinária, a redescobrir particulares aspectos, fragmentos e elementos.

No limiar do terceiro milênio, o Beato João Paulo II escreveu:

Sinto ainda mais intensamente o dever de indicar o Concílio como a grande graça da qual se beneficiou a Igreja no século XX: nele se encontra uma bússola segura para nos orientar no caminho do século que começa.[1]

Penso que esta imagem é eloquente.

Os documentos do Concílio Vaticano II, sobre os quais é preciso meditar, libertando-os de um excesso de publicações que muitas vezes, em vez de os dar a conhecer, os esconderam, são também para o nosso tempo uma bússola que permite à barca da Igreja fazer-se ao largo, no meio de tempestades ou de ondas calmas e tranquilas, para navegar com segurança e chegar à meta.

Foi possível quase “tocar” a universalidade da Igreja

Recordo bem aquele período: eu era um jovem professor de Teologia Fundamental na Universidade de Bonn, e foi o Arcebispo de Colônia, Cardeal Frings, para mim um ponto de referência humano e sacerdotal, que me trouxe consigo a Roma como seu teólogo consultor; depois, fui também nomeado perito conciliar.

Para mim foi uma experiência singular: após todo o fervor e entusiasmo da preparação, pude ver uma Igreja viva – quase três mil Padres conciliares de todas as partes do mundo, reunidos sob a guia do Sucessor do Apóstolo Pedro – que se põe na escola do Espírito Santo, o verdadeiro motor do Concílio.

Raras vezes na História foi possível, como então, quase “tocar” concretamente a universalidade da Igreja num momento da grande realização da missão de levar o Evangelho a todos os tempos e até aos confins da Terra.

Nestes dias, se virdes as imagens da abertura dessa grande Assembleia, através da televisão ou dos outros meios de comunicação, podereis sentir também vós a alegria, a esperança e o encorajamento que infundiu em todos nós a participação nesse acontecimento de luz, que se irradia até hoje.

Não havia particulares erros de Fé para corrigir ou condenar

Na história da Igreja, como julgo que sabeis, vários Concílios precederam o Vaticano II.

Geralmente, estas grandes Assembleias eclesiais foram convocadas para definir elementos fundamentais da Fé, sobretudo corrigindo erros que a punham em perigo.

Pensemos no Concílio de Niceia, em 325, para contrastar a heresia ariana e confirmar com clareza a divindade de Jesus, Filho Unigênito de Deus Pai; ou no de Éfeso, em 431, que definiu Maria como Mãe de Deus; no da Calcedônia, em 451, que afirmou a única Pessoa de Cristo em duas naturezas, divina e humana.

Para chegar mais próximo de nós, temos que mencionar o Concílio de Trento, no século XVI, que esclareceu pontos essenciais da doutrina católica diante da Reforma protestante.

Ou então o Vaticano I, que começou a meditar sobre várias temáticas, mas só teve o tempo de produzir dois documentos, um sobre o conhecimento de Deus, a Revelação, a Fé e as relações com a razão, e o outro sobre o primado do Papa e sobre a infalibilidade, porque foi interrompido pela ocupação de Roma em setembro de 1870.

Se olharmos para o Concílio Ecumênico Vaticano II, veremos que naquele momento do caminho da Igreja não havia particulares erros de Fé para corrigir ou condenar, nem questões específicas de doutrina ou de disciplina para esclarecer.

Então, pode-se compreender a surpresa do pequeno grupo de Cardeais presentes na sala capitular do mosteiro beneditino em São Paulo fora dos Muros quando, a 25 de janeiro de 1959, o Beato João XXIII anunciou o Sínodo diocesano para Roma e o Concílio para a Igreja Universal.

A primeira questão que se apresentou na preparação deste grande acontecimento foi precisamente como começá-lo, qual tarefa específica atribuir-lhe.

No discurso de inauguração, a 11 de outubro de há cinquenta anos, o Beato João XXIII deu uma indicação geral: a Fé devia falar de um modo “renovado”, mais incisivo – porque o mundo estava mudando rapidamente – mas mantendo intactos os seus conteúdos perenes, sem concessões nem comprometimentos.

Apresentar o Evangelho ao mundo em toda a sua grandeza e pureza

O Papa desejava que a Igreja meditasse sobre a sua Fé, as verdades que a guiam.

Mas desta reflexão séria e aprofundada sobre a Fé, devia ser delineada de modo novo a relação entre a Igreja e a era moderna.

A relação entre o Cristianismo e certos elementos essenciais do pensamento moderno, não para se conformar com ele, mas para apresentar a este nosso mundo, que tende a afastar-se de Deus, a exigência do Evangelho em toda a sua grandeza e pureza.[2]

Indica-o muito bem o Servo de Deus Paulo VI na homilia no final da última sessão do Concílio – a 7 de dezembro de 1965 –, com palavras extraordinariamente atuais, quando afirma que, para ser bem avaliado, este evento

deve ser visto no tempo em que se verificou.

Com efeito – diz o Papa –, aconteceu numa época em que, como todos reconhecem, os homens estão atentos ao reino da Terra, mais do que ao Reino dos Céus.

Um tempo, acrescentemos, em que o esquecimento de Deus se faz habitual, como que sugerido pelo progresso científico; um tempo em que o ato fundamental da pessoa humana, tornada mais consciente de si mesma e da própria liberdade, tende a reivindicar a própria autonomia absoluta, libertando-se de toda a lei transcendente.

Um tempo em que o “laicismo” é considerado a consequência legítima do pensamento moderno e a norma mais sábia para o ordenamento temporal da sociedade… Neste tempo celebrou-se o nosso Concílio para louvor de Deus, em nome de Cristo, inspirador o Espírito Santo.

Assim dizia Paulo VI. E concluía, indicando na questão de Deus o ponto central do Concílio, aquele Deus que

existe realmente, vive, é uma pessoa, é próvido, é infinitamente bom.

Aliás, não só bom em Si, mas bom imensamente também para nós, é nosso Criador, nossa verdade, nossa felicidade, a tal ponto que o homem quando se esforça por fixar a mente e o coração em Deus, na contemplação, realiza o gesto mais excelso e mais cheio do seu espírito, o ato que ainda hoje pode e deve ser o ápice dos inúmeros campos da atividade humana, do qual eles recebem a sua dignidade”[3]

A lição mais simples e fundamental do Concílio

Vemos como o tempo no qual vivemos continua a estar marcado pelo esquecimento e a surdez em relação a Deus.

Então, penso que devemos aprender a lição mais simples e mais fundamental do Concílio, ou seja, que o Cristianismo na sua essência consiste na Fé em Deus, que é Amor trinitário, e no encontro pessoal e comunitário com Cristo que orienta e guia a vida: todo o resto é consequência.

O mais importante hoje, precisamente como era o desejo dos Padres conciliares, é que se veja – de novo, com clareza – que Deus está presente, nos diz respeito e nos responde.

E que, ao contrário, quando falta a Fé em Deus, desaba o que é essencial, porque o homem perde a sua dignidade profunda e aquilo que enobrece a sua humanidade, contra qualquer reducionismo.

O Concílio recorda-nos que a Igreja, em todos os seus componentes, tem a sua tarefa, o mandato de transmitir a palavra do amor de Deus que salva, para que seja ouvida e acolhida a chamada divina que contém em si a nossa bem-aventurança eterna. […]

O Concílio Vaticano II é para nós um forte apelo a redescobrir cada dia a beleza da nossa Fé, a conhecê-la de modo profundo para uma relação mais intensa com o Senhor, a viver até o fim a nossa vocação cristã.

 

Excertos da Audiência Geral, 10/10/2012.

Notas
[1] Novo millennio ineunte, n.57.
[2] Cf. Discurso à Cúria Romana para os votos de Natal, 22 /12/ 2005.
[3] AAS 58 [1966], 52-53.