Concluído o Concílio de Niceia,1 parecia restaurada a unidade da Igreja e banida a heresia ariana. Entretanto, enquanto dos púlpitos era proclamado o mistério da divindade de Cristo, a falsa doutrina continuava a difundir-se a portas fechadas. Santo Atanásio, Patriarca de Alexandria, tentava converter os desertores, mas estes permaneciam incomovíveis. Por todo o Ocidente e grande parte do Oriente os arianos adquiriam força; o mundo parecia ceder ao erro. 

No deserto, porém, Santo Antão tinha visto misticamente a divindade de Nosso Senhor. Era ele um testemunho vivo dessa verdade de Fé. Santo Atanásio então mandou buscá-lo e, na mesma noite em que chegou à cidade de Alexandria, incontáveis cristãos e hereges reuniram-se na basílica para vê-lo. O nonagenário eremita, que pela simples presença impunha respeito, sentou-se perto do altar. Em seguida, o Patriarca tomou a palavra e glorificou a natureza divina do Redentor. De súbito, uma voz saída do meio da multidão protestou. Santo Antão espantou-se com aquela indecorosa interrupção e pediu a tradução do que ouvira, pois não compreendia o grego. “O Senhor era apenas um homem, criado por Deus e sujeito à morte e à transição”, traduziram-lhe. Santo Antão ergueu-se e exclamou: “Eu O vi!” Um frêmito percorreu as naves da igreja. “Ele O viu! Ele viu a divindade do Senhor!”, diziam os fiéis de joelhos. 

Mais que a bela e lógica doutrina exposta no Concílio, a imponente voz desse homem, para quem a verdade da natureza divina de Cristo se tornara quase uma evidência em virtude de uma visão sobrenatural, foi o maior golpe que a heresia recebeu. Eis um exemplo do valor de um testemunho vivo. Ora, mutatis mutandis, deve-se dizer que este trabalho nasceu também de um testemunho do Autor.

A figura de Plinio Corrêa de Oliveira

Plinio Corrêa de Oliveira nasceu em São Paulo, Brasil, a 13 de dezembro de 1908. Filho de Dr. João Paulo Corrêa de Oliveira, advogado procedente de uma ilustre família de Pernambuco, e de Da. Lucilia Ribeiro dos Santos Corrêa de Oliveira, oriunda da tradicional aristocracia paulista, Plinio passou sua infância e adolescência no sereno ambiente familiar, inserido na aprazível sociedade da São Paulo de outrora.

Na juventude, destacou-se como indiscutível líder católico, o que o levou a percorrer uma fulgurante carreira política, tornando-se conhecido em todo o País. Mais tarde fundou um movimento para lutar pelos ideais da Igreja, reunindo numerosos discípulos em torno de si, aos quais se esforçou por transmitir uma sólida formação doutrinária, bem como o espírito que o animava. Plinio Corrêa de Oliveira faleceu a 3 de outubro de 1995, após uma terrível enfermidade.

Entretanto, ponderando que todo homem tem uma determinada missão a cumprir em função do desenrolar da História, mais do que se deter na análise de fatos concretos a vida de Dr. Plinio merece ser considerada sob a perspectiva desse desígnio de Deus, a fim de se compreender sua pessoa e sua obra.

Com efeito, a humanidade vem sendo corroída por uma longa crise, estabelecida no Ocidente ao longo dos últimos cinco séculos e designada por Dr. Plinio com o nome de Revolução.2 Esse processo de desagregação total, propulsionado pela exacerbação das paixões do ­orgulho e da sensualidade, pretendeu instaurar em todo o mundo o igualitarismo metafísico. Para isso procurou eliminar os vestígios da ordem cristã, sacral e hierárquica, insurgindo-se, assim, contra o trono do Todo-Poderoso e implantando na face da Terra o reino de satanás. Contudo, quando a Revolução parecia prestes a atingir o auge de sua expansão e planejava alçar o estandarte da vitória, Deus suscitou um varão, filho da Igreja e eleito por Nossa Senhora, para desempenhar um papel que até esse momento não havia se manifestado na História.

Quem foi, pois, este homem? 

Um varão que nasceu e se desenvolveu à luz da inocência de sua mãe, Da. Lucilia, e brilhou por sua virgindade e integridade moral.

Um varão chamado a refletir em si virtudes harmônicas aparentemente opostas: de um lado, extraordinária grandeza e majestade imponente, as quais causavam medo aos orgulhosos; de outro, uma bondade acolhedora, penetrante e cheia de benquerença, que atraía... 

Um varão dotado de um carisma de discernimento dos espíritos sem igual, com uma visão histórica a respeito de toda a opinião pública, penetrando os indivíduos, as nações, os povos.

Um varão que, à maneira de uma árvore brotada entre as rochas, cresceu em meio a perseguições, incompreensões e ingratidões.

Um varão de fé, o qual defendeu, das fileiras do laicato, a honra, a santidade e a infalibilidade da Igreja como ninguém o fizera em sua época.

Um varão que, sozinho, divisou a situação da humanidade, discerniu o mal que se alastrava e levantou-se contra toda a sua geração e as subsequentes. Com a força de sua convicção desafiou o consenso de seu tempo, segurou a correnteza e quebrou a Revolução, para que, sobre seus escombros, fosse edificado o Reino de Maria,3 prometido por Nossa Senhora em Fátima. Nessa intenção ofereceu a própria vida, se assim dispusesse a Providência, e foi colhido depois de mil sofrimentos enfrentados com a coragem de um cavaleiro e a resolução de um verdadeiro mártir.

O porquê da obra

Muitos já empreenderam a tarefa de publicar escritos dedicados à figura de Plinio Corrêa de Oliveira, além de existirem numerosas referências à sua pessoa e atuação em tantos autores. Em alguns se encontra uma concepção parcial de sua abrangente personalidade, em outros se procura deformar sua imagem, apresentando-a por um prisma distorcido ou irreal. Sobretudo, nenhum deles oferece uma visualização correta, que mostre este varão ímpar do único ponto de vista pelo qual realmente merece ser considerado, isto é, o do desígnio de Deus sobre ele.

Ora, ninguém parece ser mais indicado, nem possuir voz mais acreditada para tal encargo, do que o Autor desta obra. Já em outubro de 2010, para a obtenção do grau de Doutor em Teologia pela Universidade Pontifícia Bolivariana de Medellín, Colômbia, defendeu ele sua tese sobre o mesmo tema, sendo qualificada pela banca examinadora com a nota máxima, summa cum laude.

A coleção em cinco volumes é uma versão ampliada desse trabalho, por meio da qual se quis facilitar ao grande público a compreensão deste homem que atravessou o século XX de ponta a ponta, e marcou de forma indelével os séculos vindouros.

“Eu o vi!”, bem pode exclamar o Autor. Afinal, os quase quarenta anos de convívio com Dr. Plinio, numa atmosfera de união de almas e comunicação de espírito, fazem dele uma testemunha, e a mais autorizada, para se pronunciar sobre a vida, a atuação, as virtudes e o pensamento de seu mestre.

No entanto, a respeito de um varão que chegou a afirmar de si “Já não sou eu quem vivo, mas é a Igreja Católica que vive em mim”,4 nada melhor do que recorrer ao sapiencial ensinamento dessa Igreja que ele amou até as últimas fibras de seu ser, para explicá-lo com maior profundidade.

Um livro vivo

Quando o Autor iniciou seus estudos teológicos com os mestres de Salamanca, todos eles filhos de São Domingos, logo no começo teve um movimento de alma de intensa admiração pelo modo de expor a teologia, tão característico do carisma dominicano. As verdades mais sublimes, os problemas mais complicados, as questões morais mais difíceis, tudo era apresentado com uma clareza rutilante, de forma viva e acessível. 

Entre as variadas e atraentes questões, um ponto chamou-lhe especialmente a atenção: a ação do Espírito Santo nas almas e seu papel na santificação. O Autor já havia se dedicado ao tema graça, essa misteriosa, mas quão real, participação na vida divina. Todavia, não conhecia a fundo a possibilidade de o homem ser assumido, iluminado e guiado por Deus a ponto de agir como Ele mesmo, sob sua direta inspiração, por meio dos sete dons do Espírito Santo. Entre estes, os mestres dominicanos, fiéis aos ensinamentos de São Tomás, apontavam o de sabedoria como o mais elevado, por possuir uma função arquitetônica em relação aos demais, sendo, em consequência, considerado o pináculo do organismo espiritual infundido na alma com o Batismo, formado por virtudes e dons.5 

Além disso, no decurso desses estudos, compreendeu ele com toda a nitidez como o que a mística ensinava sobre o papel dos dons do Espírito Santo na santificação da alma se aplicava inteiramente ao que tinha ocasião de comprovar, no dia a dia, em Dr. Plinio. A partir desse instante a teologia deixou de estar restrita ao campo teórico para se tornar viva e personificada num varão virtuoso. E seu verdadeiro livro de teologia passou a ser Dr. Plinio. 

A sabedoria viva no século XX

O propósito da obra é oferecer uma descrição minuciosa das moções do Espírito Santo na alma de Dr. Plinio, notadamente mediante o dom de sabedoria, através dos olhos do Autor, observador atento e sistemático de todas as suas ações durante os longos anos transcorridos a seu lado. 

O Autor, com entranhada emoção, se recorda do dia 15 de março de 2005 na Basílica de São Pedro, no Altar da Cátedra com seis candelabros acesos, pronunciando em latim sua profissão de fé. Com sua mão sobre as Sagradas Escrituras, foi constrangido a conter as lágrimas, sobretudo ao proclamar em alta voz: “No exercício do meu cargo, que me foi confiado em nome da Igreja, conservarei intacto, transmitirei e explicarei fielmente o depósito da Fé”.6 Esse momento jamais será esquecido e constituirá para ele um ponto de referência por toda a eternidade.

Pois bem, enquanto a sua pluma se desliza sobre o papel para redigir estas linhas, novamente se encontra a mão esquerda do Autor sobre as Escrituras Sagradas e brota-lhe do fundo de sua alma esta declaração, dentro do mesmo espírito, seriedade e consciência do anterior juramento. Nessa perspectiva, diz o Autor: Eu confesso que convivi, ao longo de quarenta anos e muito de perto, com Plinio Corrêa de Oliveira; todas as transcrições de suas palavras correspondem à realidade de suas expressões durante esse período, pois possuo o arquivo de suas conferências, comentários e conversas, além de seus escritos. Peço à Santíssima Trindade, por intercessão de Maria Santíssima, Mãe do Bom Conselho de Genazzano, que aceite a obra para benefício das almas e glória da Santa Igreja.

 


1 Celebrado em 325, na pequena localidade de Niceia, na Bitínia, dentro da atual Turquia, o Concílio condenou a heresia de Ário, o qual, em suposta defesa da unidade absoluta de Deus, negava a divindade do Verbo, afirmando ser Ele uma criatura do Pai. Sua falsa doutrina havia despertado simpatia entre muitos que se negavam a aceitar o mistério da Santíssima Trindade, e espalhara-se rapidamente pelo mundo cristão daquela época. Contudo, a consequência mais nociva dos erros de Ário estava em que, recusando-se a admitir a divindade do Filho, fazia ruir o mistério da Redenção, pois, se Jesus Cristo não era Deus, seu Sangue derramado na Cruz não poderia ter tirado o pecado do mundo. Graças a Ósio, Bispo de Córdoba, e a Santo Alexandre, Patriarca de Alexandria, convocou-se o Concílio, ao qual assistiram trezentos Bispos, os legados do Papa São Silvestre e Santo Atanásio, então arcediago de Alexandria e verdadeiro motor da luta contra o arianismo. O triunfo da ortodoxia no Concílio foi selado pela elaboração de um Símbolo, em que se proclamou o Filho consubstancial ao Pai, e pelo desterro imediato de Ário e de seus seguidores.
2 Por Revolução Dr. Plinio entendia o movimento que há cinco séculos vem demolindo a Cristandade, e cujos momentos pinaculares foram as quatro grandes crises do Ocidente cristão: o protestantismo, a Revolução Francesa, o comunismo e a revolta anarquista da Sorbonne em 1968. Suas molas propulsoras são o orgulho e a sensualidade. Da exacerbação dessas duas paixões resulta a tendência a abolir toda legítima desigualdade e todo freio moral. Por sua vez, ele denominava a reação contra este movimento de subversão como Contra-Revolução. Estas teses estão expostas em seu ensaio Revolução e Contra-Revolução (cf. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Revolução e Contra-Revolução. 5.ed. São Paulo: Retornarei, 2002), publicado pela primeira vez no mensário de cultura Catolicismo, em abril de 1959.
3 Para Dr. Plinio, o Reino de Maria é a era histórica prevista por São Luís Maria Grignion de Montfort em sua obra Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem, e mais tarde anunciada pela própria Nossa Senhora em suas aparições aos pastorzinhos de Fátima: “Por fim, meu Imaculado Coração triunfará!” A esperança desse Reino era para Dr. Plinio uma certeza e constituiu um dos principais objetivos de seu apostolado e de toda sua existência.
4 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência. São Paulo, 7 jun. 1978.
5 “Se compararmos agora o dom de sabedoria com os demais dons, veremos que desempenha em relação a eles uma função arquitetônica, em constante sinergia com eles e com todas as virtudes. O dom de sabedoria contempla e dirige todo o movimento de nossa vida espiritual no resplendor do mistério de Deus” (PHILIPON, OP, Marie-Michel. Les dons du Saint-Esprit. Paris: Desclée de Brouwer, 1964, p.229); “O dom encarregado de levar à sua última perfeição a virtude da caridade é o de sabedoria. Sendo a caridade a mais perfeita e excelente de todas as virtudes, compreende-se que o dom de sabedoria seja, por sua vez, o mais perfeito e excelente de todos os dons. [...] Os demais dons percebem, julgam ou atuam sobre coisas distintas de Deus. O dom de sabedoria, ao contrário, recai primária e principalissimamente sobre o próprio Deus, do qual nos dá um conhecimento saboroso e experimental, que cumula a alma de indizível suavidade e doçura” (ROYO MARÍN, OP, Antonio. El gran desconocido. El Espíritu Santo y sus dones. 2. ed. Madrid: BAC, 2004, p. 190-191).
6 PONTIFICAL ROMANO. Tradução do original em latim, aprovada pela CNBB. São Paulo: Paulus, 2004, p. 576-577.