Segundo a linguagem da Tradição, “o matrimônio é uma união selada pela bênção de Deus” (TERTULIANO. Ad uxorem. L.II, c.8). Não basta que os consentimentos se juntem e as pessoas se deem, é preciso que o Autor da graça intervenha.

Em virtude de sua intervenção, a união é santificante e santificada. A graça divina a penetra, consolida e aplaina as dificuldades. É um Sacramento. […]

O amor natural, por mais que esteja bem fundado no respeito e na estima, nem sempre resiste às súbitas revelações que nos manifestam imperfeições, defeitos e vícios nos quais não tínhamos pensado.

Nossa segurança abalada e nossa paz ameaçada desanimam o pobre coração que se julgava tão sólido e o convidam a deixar de amar.

Numa pessoa decaída e sem controle de suas paixões, o amor natural cansa-se de estar ligado a um mesmo objeto. Com muita facilidade – infelizmente! – a inconstância e o capricho o desviam para algum outro objeto perto do qual ele esquece seu dever e seus juramentos. Lamentável fraqueza da qual o matrimônio sofreu em todas as épocas.

Depois, porém, que Cristo o santificou, a graça aperfeiçoa o amor. Ela o torna sábio. Ela lhe ensina que neste mundo nada é perfeito; que a infinita beleza de Deus é o único ideal capaz de contentar um coração ávido de perfeição; que quando não temos tudo quanto quereríamos amar, devemos amar aquilo que temos.

Ela purifica os olhos da natureza, torna suportáveis as desgraças, comoventes as enfermidades, amáveis a ancianidade e os cabelos brancos.

A graça torna paciente o amor. Ela o protege contra o choque dos defeitos que ele pôde conhecer e contra a revelação por demais brusca daqueles que escaparam à sua perspicácia.

A graça torna justo e misericordioso o amor. Ela o persuade facilmente de que, se temos de sofrer, nós também causamos sofrimentos, e de que – na vida de casal, mais do que em qualquer outra situação – é preciso pôr em prática esta máxima evangélica: “Carregai os fardos uns dos outros”.

Em lugar de censuras, ela sugere desculpas. Ela transforma as recriminações em bons conselhos, sábias exortações, suaves encorajamentos, amáveis correções; ela enternece os corações e os inclina a perdoar facilmente.

Por fim, a graça torna o amor fiel ao dever; ela o apresenta sob uma luz radiante que as nuvens da fantasia, do capricho, da ilusão e da mentira não podem obscurecer, e o faz encontrar na constância honra e alegrias, pelas quais ele rende graças a Deus, que é tão fiel até mesmo com aqueles que O ultrajam. […]

Eis o matrimônio. Duas vezes honrado pela intervenção de Deus, nas solenes épocas da criação e da Redenção, ele exige nosso respeito, e tenho o direito de dizer aos homens: não toqueis nele, é uma coisa santa. Sim, senhores, é uma coisa santa.

Deveis compenetrar-vos desta verdade, se quereis concordar comigo a respeito das conclusões que dela devo tirar. Essas conclusões só podem confirmar a afirmação de São Paulo: “É grande este sacramento – Sacramentum hoc magnum est”. 

 

Bodas de Caná - Igreja de São Patrício,
Boston (Estados Unidos)
 
 
 

 

Extraído de: Exposition du dogme catholique. Grâce de Jésus-Christ. Mariage. Paris: L’Anne Dominicaine, 1890, v.V, p.32-33; 40-43.