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Arautos


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O verdadeiro significado das palavras
 
AUTOR: PE. BRUNO ESPOSITO, O.P.
 
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Para nos defender da balbúrdia de ideias e conteúdos que parece caracterizar os nossos dias, é necessário nos compenetrarmos da importância de usar as palavras em seu sentido próprio, respeitando o significado que possuem.

Já no século IV a.C., contrapondo-se aos sofistas, Platão discorria no seu diálogo Teeteto acerca da relação entre o verdadeiro e o falso e, em consequência, sobre a necessidade de o homem reconhecer a relação entre uma palavra e a realidade que ela designa.

Meditando também sobre a confusão das línguas em Babel (cf. Gn 11, 1-9), fiquei convencido da necessidade de analisar a balbúrdia de ideias e conteúdos que parece caracterizar os nossos dias, e julguei oportuno, para isso, propor alguns exemplos que sirvam como ponto de partida para considerações a este respeito.

Meu objetivo é fazer com que nos compenetremos da importância de usar as palavras em seu sentido próprio, respeitando o significado que possuem e, por conseguinte, a verdade das coisas.

Uma liberdade mal concebida

Em sua obra What’s Wrong with the World,1 escreveu argutamente Chesterton: “Nisto consiste a gigantesca heresia moderna: em modificar a alma humana para adaptá-la às circunstâncias, em vez de modificar as circunstâncias para adaptá-las à alma humana”.2 E isso é feito em nome de uma mal concebida liberdade que, de peregrinos nesta terra que conhecem o caminho e o destino, nos converte em seres errantes.

Confunde-se, de fato, liberdade com garantia de poder fazer sempre o que se deseja e tem-se, ademais, a pretensão de que isto seja reconhecido como autêntico direito. Ignora-se que nem sempre o possível é benéfico para o homem, e que quem age deste modo acaba por tornar-se um pobre escravo (cf. I Cor 10, 23; II Pd 2, 19).

Inebriamo-nos com uma liberdade restringida ao conceito de livre-arbítrio até perdermos a consciência de quem somos! Quando o homem rejeita sua condição de criatura submete-se à confusão, à incomunicabilidade, a viver num perene conflito consigo mesmo e com seus semelhantes. Se não aceitarmos que nossa natureza nos foi dada por Deus, e tudo o que isso objetivamente significa, condenamo-nos a ser nada mais que pobres vagabundos.

A verdade se impõe por si mesma

Convido, pois, o caro leitor, a refletir por si mesmo, começando por confrontar-se com a realidade e procurando a verdade a partir dela. Evitará, assim, ficar preso num gênero de subjetivismo cego que alimenta egocentrismos estéreis e conduz inexoravelmente a uma solidão letal.

São Tomás adverte: “A verdade é forte em si mesma e não pode ser vencida por nenhuma objeção”.3 Portanto, ela nunca deve ser imposta, pelo simples motivo de que se impõe per se! Infelizmente, porém, com muita frequência o homem hodierno se defende da verdade, sem perceber que é a verdade que o defende; em lugar de procurar conhecê-la, prefere apoiar as convicções ou interesses do seu próprio grupo, quando não do seu próprio bando.

Bem e mal são realidades objetivas

Analisemos, por exemplo, os termos bem e mal. Na vida cotidiana eles são claros para todos, mas só na aparência. Dentro do atual clima de subjetivismo ético e consequente relativismo, muitos estão profundamente convencidos de que não existem o bem e o mal objetivos, mas sim     aquilo que a pessoa sente como sendo bom ou mau.

Usa-se a palavra sentir numa acepção genérica, acompanhada frequentemente por uma noção de consciência ainda mais confusa e distorcida, segundo a qual caberia ao homem decidir, em último termo, o que é bom e o que é mau. Aliás, se relermos o Livro do Gênesis, veremos que nada há de novo debaixo do sol, pois a tentação de nossos primeiros pais foi justamente a de quererem ser
iguais a Deus (cf. Gn 3, 1-6)!

Contudo, para além de qualquer tentação, importa reconhecer que bem e mal são, antes de tudo, realidades objetivas. Para confirmá-lo de forma imediata basta observar, mesmo por alto, nossa vida física e moral: a saúde é um bem, a doença é um mal; dar a vida é um bem, tirá-la é um mal…

Não pretendo, porém, deter-me neste aspecto, mas sim noutro que, salvo melhor juízo, mostra de modo eloquente o quanto aquilo que é ruim quase predomina sobre nosso modo de pensar e de agir cotidiano. Refiro-me ao fato de que, em geral, o negativo nos impressiona mais que o positivo.

A fisiologia precede as patologias

Com frequência, esquecemo-nos de algo indiscutível: que o mal, tanto físico quanto moral, é sempre uma privação, uma carência. Bonum ex integra causa, malum ex quocumque defectu: o bem exige a totalidade dos requisitos, a falta de um deles compromete o conjunto.

Infelizmente, muitas vezes nos sentimos inclinados a começar por recolher, evidenciar e realçar as carências – o mal –, negligenciando aquele aspecto positivo – o bem – à luz do qual faz sentido falar de um mal. Deixamo-nos tomar pelas “patologias” e acabamos por esquecer que elas são precedidas pela “fisiologia”.

Daí surge a importância de educar-se a olhar para o bem em primeiro lugar, a saber privilegiar e valorizar o que é positivo. Think positive, gostam de repetir os norte-americanos. Considerar o mundo exterior sob essa perspectiva mudará inevitavelmente nossa mentalidade, nossa forma de entender a vida e nossa própria vida, assim como a daqueles com os quais entremos em contato.

Triunfar do mal com o bem

A Palavra de Deus convida sem cessar, e quase desafia, a recuperar a beleza de uma existência que é dom divino e não auto-criação do homem. Ela só pode ser plenamente vivida tendo a fé de que o Filho de Deus “me amou e Se entregou por mim” (Gal 2, 20), empenhando-se em fazer triunfar “do mal com o bem” (Rm 12, 21) e enchendo nossas mentes e corações com aquilo que é verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, de boa fama (cf. Fl 4, 8).

Uma última observação, por certo não de pouca monta: fazer o bem ou o mal é coisa importante e tem suas consequências perante Deus: “O Filho do Homem enviará seus Anjos, que retirarão de seu Reino todos os escândalos e todos os que fazem o mal e os lançarão na fornalha ardente, onde haverá choro e ranger de dentes. Então, no Reino de seu Pai, os justos resplandecerão como o sol. Aquele que tem ouvidos, ouça” (Mt 13, 41-43). ² (Revista Arautos do Evangelho, Novembro/2019, n. 215, p. 24-25)

1 Do inglês: “O que há de errado com o mundo”.
2 CHESTERTON, Gilbert Keith. What’s Wrong with the World. 8.ed. London: Cassell, 1910, p.109.
3 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma contra os gentios. L.IV, c.10, n.15.

 
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