Fale conosco
 
 
Receba nossos boletins
 
 
 
Artigos


Espiritualidade


Vicentinos do Brasil: eficiência e despretensão
 
AUTOR: IR. EURICO MONTEIRO, EP
 
Decrease Increase
Texto
Solo lectura
0
0
 
Estamos no 170º aniversário de fundação da Sociedade São Vicente de Paulo (SSVP), uma organização de leigos cristãos que procuram atingir a santificação por meio da prática da caridade, inspirando-se no pensamento e obra de São Vicente de Paulo (1581-1660).

São conhecidos por todos no Brasil como os Vicentinos, mas pouca gente sabe que a SSVP brasileira é a maior do globo. Os seus 250 mil membros representam pelo menos 40% dessa atuante potência em favor dos mais pobres. Frederico Ozanam (1813-1853), seu fundador, foi beatificado em 1997.

Numa esclarecedora entrevista, o Presidente do Conselho Metropolitano de São Paulo, Sr. Odilon da Silva, homem experimentado nestas lides há 43 anos e cheio de amor ao próximo, nos revela alguns fatos inéditos a respeito desta benemérita Associação.

Arautos do Evangelho: Quando foi fundada a SSVP?

Sr. Odilon Silva: A SSVP foi fundada em Paris, em abril de 1833, pelo conhecido escritor católico Frederico Ozanam, quando tinha 22 anos. Nesse dia, ele e mais seis pessoas reuniram-se pela primeira vez, para uma .Conferência da Caridade.. Passado pouco tempo, já eram cem! Quando se pôs o problema de continuar só com aquele grupinho inicial ou espalharse pela Terra, Frederico Ozanam pronunciou aquela célebre frase: .Gostaria de abraçar o mundo inteiro numa

entrevista_2.jpg
O Sr. Odilon Silva fala aos Arautos do Evangelho
sobre a benemérita e profícua obra da Sociedade
São Vicente de Paulo no Brasil

Rede de Caridade!. Foi o que aconteceu: hoje ela está em 134 países! Beatificado em 22 de agosto de 1997, foi ele a alma do movimento que fundou. Devido à sua humildade, jamais quis ser presidente ou exercer qualquer outro cargo.

AE: Que há a salientar nessa quase bicentenária caminhada a serviço dos pobres?

OS: Sobre isso, quero recordar algumas palavras do Presidente mundial, Confrade Ramón Diáz-Torremocha, estampadas em nossa última revista, .A voz de Ozanam .. Ele observa que, sendo nossas origens modestas, entretanto convertemo-nos numa das maiores associações do mundo, também a primeira entidade católica de leigos sem dependência formal da hierarquia eclesiástica. Acrescenta ainda que, se, por um lado, essa independência nos tem ajudado a ser ágeis em nossas decis ões, em contrapartida, também nos trouxe dificuldades, devido à desconfiança com que somos examinados em certas ocasiões, por parte do clero. E conclui muito acertadamente que .hoje todos estamos convencidos da bondade e visão histórica daquela decisão de nossos fundadores, que nos capacita especialmente a sermos instrumentos extraordinariamente úteis para a Santa Igreja..

Outro fato saliente desses 170 anos foi a beatificação de Frederico Ozanam. Primeiro, por ser mais um modelo de santidade que a Igreja propõe a todos os fiéis; depois, é um reconhecimento implícito, por parte da Santa Sé, de um caminho evangélico como são as Conferências de São Vicente de Paulo.

AE: O senhor tem uma longa experiência…

OS: Estou na Sociedade há 43 anos. Meu avô foi um dos fundadores da primeira Conferência Vicentina de Salesópolis (SP). Portanto, é uma vocação de família.

Passei por todos os cargos: fundador da Conferência São Pio X, o Papa da Eucaristia, Secretário e Presidente de Conferência, Secretário e Presidente de Conselho Particular, Presidente de Conselho Central, coordenador de ECAFO (Escola de Caridade Antônio Frederico Ozanam, que é o curso de formação vicentina). Já fui Provedor da Santa Casa em Salesópolis e Presidente do Asilo. Atualmente, sou Presidente do Conselho Metropolitano de São Paulo. Não é uma questão de competência, mas de prática e dedicação. Como estou aposentado há 14 anos, agora tenho ainda mais tempo para me dedicar a ela.

AE: O público sabe o bem que fazem os vicentinos, porém desconhece como é sua organização interna. Poderia explicá-la?

OS: Inicialmente, chamavam-se Conferências de Caridade de São Vicente de Paulo, porque os primeiros seis acharam que deveria haver um padroeiro. Ora, São Vicente de Paulo era conhecido como o .pai dos pobres. ou .embaixador da Caridade..

Como funcionam? As Conferências são constituídas normalmente por dez a quinze pessoas. Os homens chamam-se entre si de confrades. As mulheres, de consórcias. Este grupo se reúne semanalmente. Juntos, rezam e meditam a palavra de Deus. Corre a coleta secreta (recolha de dinheiro) e faz-se a visita à casa do pobre. Levam-se-lhe alimento, conforto, a palavra amiga, a presença carinhosa e também o auxílio espiritual.

Cada grupo de dez a doze Conferências é coordenado, orientado, vinculado e subordinado a um Conselho Particular. Este trabalha em nível de paróquia ou comunidade, ou até de município pequeno. Por sua vez, dez a doze Conselhos Particulares são coordenados por um Conselho Central, a nível Diocesano.

Acima dos Conselhos Centrais, há o Metropolitano, a nível estadual. Normalmente, no Brasil, é um por estado. Mas, aqui, em São Paulo, há mais de um. Antigamente, até 1997, era um só no estado de São Paulo inteiro e em parte do de Mato Grosso. Mas, como o movimento vicentino cresceu muito depressa, fez-se um desdobramento, de modo que, hoje, temos os Conselhos Metropolitanos de São Carlos, Bauru, São José dos Campos, São Paulo e Jundiaí. Não foi desdobrado tudo de uma só vez, mas aos poucos, organicamente, de acordo com as necessidades. O de Jundiaí é o caçula.

Por fim, os Conselhos Metropolitanos . trinta atualmente . são subordinados ao Conselho Nacional do Brasil, com sede no Rio de Janeiro.

AE: Quem é o Presidente Nacional? E quantos são os afiliados no Brasil e no mundo?

OS: O Presidente é o confrade Carlos Henrique David, cujo apelido é “Caíque”. O Brasil é o País mais vicentino do mundo: temos mais de 250 mil membros, de um total de 500 a 600 mil. O confrade Washler, que foi um dos meus antecessores, mora aqui no prédio, é um dos vice-presidentes do Conselho Geral Internacional, com sede em Paris. Estamos em três países totalitários: China, Cuba e Rússia.

O “Caíque” é solteiro e, com apenas 30 anos de idade, o mais novo Presidente de Conselho Nacional do mundo. Por tudo isto, a nível mundial, fala-se com entusiasmo do nosso País como uma das maiores promessas da obra.

AE: Como é um curso de formação para um vicentino?

OS: O autor do curso é um jovem vereador de São José dos Campos, chamado Cristóvão Gonçalves. Foi ele quem elaborou os módulos, ou seja, cada livrinho que trata de um assunto. Um módulo trata da História da SSVP: como foi fundada, como se encontra dividida, como funciona etc. . tudo quanto estamos conversando. Todos os que desejam pertencer à Conferência têm de estudá-lo.

Outro módulo trata da formação de dirigentes. Estes têm de se preparar: o que é ser líder, como deve ser o líder etc.

Há um que é do Catecismo da Igreja Católica. Este curso ministrado no Brasil é considerado . em nível de esmero, esforço, funcionamento, idéias boas para a sociedade . de primeiro mundo, em matéria de vicentinismo.

AE: Qualquer jovem pode ser da SSVP?

OS: Sim, temos até as Comissões de Jovens, que são anexas aos Conselhos Centrais. Pensa-se em incorporá-las aos Conselhos Particulares. Como o próprio nome indica, a Comissão de Jovens é formada por gente nova, cuja finalidade é justamente atrair a juventude, os da mesma idade, porque o jovem tem a linguagem do outro jovem, a mesma maneira de vestir etc. Nós somos da velha guarda, nossa conversa já é outra… Até foi bem oportuna sua pergunta, porque destes 250 mil vicentinos do Brasil, 100 mil são jovens, ou seja, 40%. Há também as Obras Unidas…
São duas mil!

AE: A obra vicentina é bem antiga, seu trabalho continua inteiramente atual?

OS: Costumo assistir a vários canais de televisão, como a Rede Vida, a Canção Nova, a TV Século XXI etc. Noutro dia, o Pe. Zezinho, comentando o “Fome Zero” e outros programas sociais, afirmou em dado momento: .Por isso é que eu admiro os vicentinos, eles já fazem esse trabalho há quase 170 anos, na surdina, sem ostenta ção nenhuma, sem alardes… Mais, eles fazem em nome da Igreja, nesse silêncio. É a Igreja que faz!.

AE: Como o senhor vê, em concreto, o papel da caridade numa sociedade tão materialista e egoísta como a de nossos dias?

OS: Todo o nosso trabalho é inspirado em São Vicente de Paulo. Este é propriamente o nosso carisma, que, por sua vez, tem sua fonte no próprio Jesus Cristo. A quem Ele se dirigiu? Aos ricos?

Não, aos pobres, tal como São Vicente de Paulo. Tanto é assim que um dos lemas da Congregação da Missão por ele fundada é: “evangelizar os pobres”. Era conselheiro da Rainha Ana d’Áustria, renunciou a ser Bispo, tal a humildade dele. São fatos como este que fazem com que o vicentino tenha um modo de ser diferente da maioria da sociedade em geral, o qual é de ir ao encontro do pobre, de se preocupar com ele, de se despojar, de ir em direção ao irmão. Um padre já falecido dizia que o vicentino é .o coração do Evangelho., por causa de seu carisma.

AE: Qual é a importância da devoção a Maria Santíssima na SSVP?

OS: A importância da devoção a Maria é evidente, pois, foi a partir do seu “sim” que toda a História mudou. O próprio Frederico Ozanam sugeriu que Nossa Senhora fosse Protetora, porque foi um grande devoto dela. Com doze anos de idade escreveu uma poesia, em latim, para a Mãe de Deus.

S Vicente de Paulo.jpg
Imagem de São Vicente de Paulo, Igreja de São Carlos,
Milão (Itália)

Temos aqui um museu inédito: o do Terço. Situa-se no 7.º andar deste edifício (Rua da Consolação, 374). Há também lá três rel íquias: uma do Beato F. Ozanam, outra de São Vicente de Paulo e uma de Santa Luíza de Marillac, a co-fundadora das Filhas da Caridade.

AE: Que semelhança vê o senhor entre a SSVP e os Arautos do Evangelho?

OS: Por meio dos Arautos do Evangelho, vocês abrilhantaram a nossa festa lá no Ibirapuera: o 14.º Avivamento Vicentino. Foi a maior concentração vicentina da capital de São Paulo, em todos os tempos. Havia mais de 11 mil participantes.

Lembro-me que, quando vocês estavam saindo, o pessoal não parava de aplaudir, pedia bis. Muita gente notou, e eu também, a alegria que vocês espalharam no ambiente. Lembrei-me até da frase de Santo Agostinho: .Cantar é rezar duas vezes.. Cantar é louvar a Deus. Então, a semelhança poderia ver-se aí: ajudar o próximo é também louvar a Deus.

Os vicentinos, por outro lado, promovem a auto-estima, o conforto, o bem-estar, ter mais gosto pela vida. O mal deste mundo é principalmente o egoísmo; quando vê um pobre, muita gente vira as costas. Só o fato de o vicentino ir à casa do pobre, sentar-se lá e conversar com ele, já é uma caridade.

É interessante que aquele encontro do Avivamento Vicentino se deu exatamente na semana do Pentecostes. A Missa com o cântico de vocês é muito mais proveitosa para a alma. A pessoa sai ainda mais edificada de lá. O vicentino, sem descurar o lado espiritual, preocupa-se mais em promover o bem-estar do pobre, para que ele pense em Deus mais facilmente. Os Arautos, estimulando o belo no cerimonial, sobretudo litúrgico, elevam ainda mais a alma para Deus.

(Revista Arautos do Evangelho, Julho/2003, n. 19, p. 20 à 23)

 
Comentários