Fale conosco
 
 
Receba nossos boletins
 
 
 
Artigos


Plinio Corrêa de Oliveira


Bernadete: a Modesta Pastorinha de Lourdes
 
PUBLICADO POR ARAUTOS - 06/02/2020
 
Decrease Increase
Texto
Solo lectura
2
0
 
Lourdes foi tema de várias conferências e artigos de Dr. Plinio. Com seu proverbial discernimento dos espíritos, neles incluía sempre abordagens psicológicas, a par das religiosas e históricas. Estão elas presentes ao longo de todo o comentário aqui reproduzido quando ele põe em relevo um aspecto pouco focalizado da virtude de Santa Bernadete.

Não se pode falar de Lourdes sem lembrar a personagem ligada de modo indissociável a essa história de bênçãos e misericórdias. A modesta pastorinha de Lourdes a quem Nossa Senhora apareceu é seu primeiro milagre: milagre da graça, milagre da santidade. Por isso a Igreja a elevou às honras dos altares como Santa Bernadete Soubirous.

Testamento espiritual de Santa Bernadete

Antes de partir deste mundo para as glórias da bem-aventurança eterna, a vidente deixou seu testamento espiritual, uma comovedora prece de ação de graças em que ela, ao invés de se mostrar reconhecida pelos insignes favores de que foi objeto, louva Nossa Senhora e seu Divino Filho por tudo o que lhe representou sofrimento e carência nesta vida:

“Pelas zombarias recebidas, pelas injúrias e pelos ultrajes da parte dos que me mandaram prender como doida, pela cólera que tiveram contra mim, tomando-me como interesseira. Pela ortografia que eu jamais consegui aprender, pela memória que eu jamais tive, pela minha ignorância, graças vos dou, Senhora. Graças, porque se houvesse sobre a terra uma menina mais ignorante e mais estúpida do que eu, Vós a teríeis escolhido para lhe aparecer”.

“Graças, ó Jesus, por ter dessedentado com amarguras esse coração por demais frágil que me destes! Por Madre Josefina, que disse de mim: não serve para nada… Pelos sarcasmos da madre mestra de noviças, pela sua voz dura, pelas injustiças, pelas ironias, pelo pão da humilhação, muito obrigada”.

“Graças por ter sido a Bernadete ameaçada de prisão porque tinha visto a Virgem Maria, olhada pelas pessoas como um raro animal, aquela Bernadete tão mesquinha que, ao vê-la, diziam: É essa?”

“Pela minha doença, pelas minhas carnes em putrefação, pelos meus ossos com cáries, pelos meus suores, pela minha febre, pelas minhas dores surdas e agudas, graças ó meu Deus! E por essa ânsia que Vós me destes para o deserto da aridez interior, pelos vossos silêncios, mais uma vez por tudo, por Vós ausente e presente, graças, ó Jesus!”

O holocausto do puro amor desinteressado

É uma oração verdadeiramente heróica, de um heroísmo que sobressai da seguinte situação: a modesta pastorinha de Lourdes foi concedida a graça incomparável de ser a vidente a quem Nossa Senhora apareceu, a ela foi indicado o local onde brotariam as águas que operariam as curas milagrosas.

Portanto, a partir das revelações feitas a ela, Maria Santíssima inaugurou uma série de maravilhas e de benefícios incalculáveis para os corpos e para as almas dos homens da terra inteira. Além disso, a devoção à Mãe de Deus conheceu um novo e precioso crescimento sob a invocação de Nossa Senhora de Lourdes.

Assim, ela, a pequena, a miserável, a mesquinha; ela, nula, plebeia, pobre; ela, a tonta e ignorante Bernadete, foi o arco pelo qual quis entrar esse raio de sol no mundo contemporâneo, e mais especialmente no mundo do século dela, tão orgulhoso, tão cheio de revolta e de incredulidade. Para tudo isso, foi escolhida essa pessoa tão insignificante.

Santa Bernadete poderia fazer um raciocínio diferente: “Meu Deus, Vós me destes esses ossos cariados, essa carne putrefata, me destes toda essa miséria e essas contrariedades. Em compensação, porém, me concedestes a grande vantagem de ser a Bernadete escolhida por Vós para iluminar o mundo inteiro. Então, eu aceito de boa vontade tudo o que me destes de triste, de ruim, como ação de graças por aquilo que me destes de bom. Amém”.

Seria um pensamento legítimo. Mas ela era uma santa, e por isso, diante da conduta da Providência em face dela, levou sua atitude de alma até o limite da sublimidade. Mediu sua personalidade, seus recursos mentais, sua saúde física, e percebeu que não valia nada. Era apenas uma pessoa muito equilibrada, nascida numa família pobre, menosprezada por todos. E ela aceitou heroicamente sua nulidade, para que inúmeras almas fossem salvas e a Igreja Católica reluzisse de maior glória. 

A pastorinha de Lourdes compreendeu bem que não teve apenas aparições, mas recebeu também uma cruz, mais preciosa do que as próprias visões de Nossa Senhora. E ter aceito de modo perfeito a cruz, levando-a até o fim com amor, com entusiasmo pelo sofrimento, por tudo quanto a dor significa no plano sobrenatural — isto fez dela uma santa. 

A modesta pastorinha de Lourdes é grande em seu nada

Vemos, então, uma pessoa que reconhece não ser nada, e que transforma esse nada numa hóstia para oferecer a Nosso Senhor, dizendo:

“Meu Deus, enquanto todos perdem a alma para ser alguma coisa, enquanto aqueles que Vós sobrecarregastes de dons os dilapidam de modo miserável, eu, a quem Vós fizestes nada, agradeço-Vos esse nada. Peço-Vos que, para vossa glória, aceiteis minha conformidade com esse nada”.

“Sei que sou o rebotalho do mundo, sei que sou o asco da terra, sei que ninguém quer saber de mim, mas sei que para Vós, ó meu Deus — três vezes santo, perfeito, eterno, imutável, onisciente, misericordioso — para Vós, dentro de meu nada eu sou muito. Sou tanto que por mim Vós vos teríeis encarnado, e Vós teríeis sofrido o tormento da Cruz. Vós, sim, me amais. E se Vós amais esse nada, aceitai esse nada. Ele vale pelo amor que Vós lhe tendes”.

“Aceitai esse nada e aceitai-o por aqueles a quem Vós destes tanto. Aqueles que receberam de Vós os dons que eu não recebi, utilizem-nos segundo vossos desígnios, eu vos ofereço, meu Deus, eu vos agradeço os dons que não recebi”.

Isso é levar o desinteresse até o sublime. É o holocausto completo, o puro amor a Deus, sem preocupação por si. É o modelo que a Providência nos propõe para que tenhamos uma vida espiritual norteada, mais do que pelo desejo do Céu, pela graça de amar e adorar desinteressadamente o Senhor do Céu e da Terra.

Revista Dr. Plinio, Fevereiro/2003, n. 59, p. 16 a 21.
 
Comentários