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Plinio Corrêa de Oliveira


Na extrema ancianidade, uma grande provação
 
PUBLICADO POR ARAUTOS - 05/11/2019
 
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A mais dura prova da existência de Dª Lucilia, a Providência a reservara para seus derradeiros meses de vida. A ancianidade acrisolara sua caridade, e a resignação em sua alma atingira o auge. Encontrava-se ela a cinco meses de seu juízo particular. Os sofrimentos, as lutas precedentes, em nada fizeram diminuir o alto equilíbrio que sua fidelidade à graça batismal generosamente lhe conferira. Muito pelo contrário, tornaram-na ainda mais unida a Deus. No ápice de sua vida espiritual, ela se convertera em um belo escrínio de tradições cristãs dos antigos tempos, provocando irresistível encanto nas almas daqueles que, nessa ocasião, tiveram a felicidade de a conhecer mais de perto.

As provações não conhecem idade, e se apresentam implacáveis até no fim de uma longa vida. Diz o Eclesiástico (40, 1): “Grande preocupação foi imposta a todos os homens, e um pesado jugo carrega sobre os filhos de Adão, desde o dia em que eles saem do ventre de sua mãe, até o dia da sua sepultura (em que eles entram) no seio da mãe comum de todos”. Assim o Espírito Santo, inspirando ao escritor sagrado tão belas palavras, deixa-nos entrever algo desse sublime mistério, ao qual não se subtraiu Dª Lucilia. Com efeito, já quase no limiar da eternidade, verse-ia ela exposta a uma penosa circunstância.

Um vendaval se abate sobre Dr. Plinio

Em fins de 1967 uma forte crise de diabetes acometeu Dr. Plinio. Apesar de terem procurado ocultar o fato a Dª Lucilia , esta teve clara idéia, por sua aguda intuição materna, de que algo de muito grave acontecia ao “filho querido de seu coração”.

No dia 5 de novembro daquele ano Dr. Plinio participou de uma solene celebração litúrgica na Catedral de São Paulo, comparecendo ao ato em posição de muito destaque. As cenas que então se desenrolaram, tanto no interior do templo quanto nas suas escadarias, foram filmadas pelo famoso cineasta Primo Carbonari, cujo noticiário era exibido em todos os cinemas do Brasil.

Poucos dias depois, Dr. Plinio foi convidado, com mais alguns amigos, a assistir à avant-première desse documentário. Ao ver-se a si mesmo na tela, teve uma reação de espanto por verificar — dado seu alto tino psicológico — quanto o próprio vigor físico estava minado por alguma grave enfermidade. No dia 1º de dezembro, cancelou sua costumeira conferência semanal, saindo de casa somente à tarde, para ir ao Santuário do Sagrado Coração de Jesus. Ao descer do automóvel, causou surpresa ao ser visto caminhar com o auxílio de bengala e calçando no pé direito um leve chinelo. Tinha a fisionomia muito abatida. Entretanto, com sua invariável finura, em nada deixava transparecer, aos que o cumprimentavam, seu mal-estar físico.

No dia seguinte não encontrou forças para sair de casa a fim de cumprir o preceito dominical, sendo-lhe levada a Sagrada Comunhão. Segundo o relato de uma pessoa que teve a oportunidade de estar com ele de manhã e à tarde, era impressionante notar, ao cumprimentá-lo, a elevada temperatura de sua mão. Nos dias subseqüentes, a febre ultrapassaria a casa dos trinta e nove graus. Apesar disto, Dr. Plinio mantinha inalterável amenidade, nobreza e distinção de trato, tal qual aprendera de Dª Lucilia.

Narrações feitas por ele próprio, tempos depois, revelaram a grande provação que enfrentava nessa ocasião:

“Quando me apareceu esta espécie de abscesso, imediatamente me lembrei do pensamento que tivera assistindo ao filme. Parecia-me que algo de absurdo se realizava. Vi-me obrigado a passar alguns dias em casa, envidando, porém, todos os esforços para que mamãe nada percebesse. Minha penosa deambulação era feita com o auxílio de alguns apoios. Lembro-me que uma vez mamãe estava sentada à mesa, à minha espera, e eu, ao passar pelo hall, escorreguei e caí. Minha febre já estava altíssima. Uma antiga empregada, não compreendendo que eu levasse meu desvelo por mamãe ao ponto de esconder minha doença, a fim de lhe poupar preocupações, disse-me num tom de acidez:

“— Qual é o problema? Por que o senhor não lhe conta de uma vez o que o senhor tem?

“Manifestando desagrado respondi:

“— Você não percebe que eu não quero aborrecê-la?

“— Mas até esse ponto?

“— Até esse ponto! Quem gradua isto sou eu — retruquei.

“Tendo-me levantado, dirigi-me à sala onde estava mamãe, enquanto pensava: O que eu pressentia se está realizando. Estou com uma grave enfermidade, serei obrigado a chamar médicos, que me apresentarão um terrível diagnóstico…”

De fato, no dia seguinte, segunda-feira, bem cedo, Dr. Plinio recorreu aos médicos e viu-se introduzido num túnel, à primeira vista, sem saída. Os resultados dos exames de laboratório revelaram uma forte crise de diabetes. Foi-lhe determinado repouso absoluto, regime alimentar restrito, remédios e controle glicêmico para rapidamente serem debelados os distúrbios orgânicos produzidos pela enfermidade. Entretanto, restava um problema não menos trágico: uma gangrena em seu pé direito.

Em face de tal quadro, Dr. Plinio pensou: “Minha previsão se confirmou. Um vendaval se abaterá sobre mim, e mamãe ainda vai morrer por estes dias…”

Se o coração de um filho pode às vezes ser acometido por intuições, o que se dirá do discernimento materno? É certo que Dª Lucilia percebeu estar-se passando algo de estranho com Dr. Plinio.

Feliz e pobre Dª Lucilia! Lucraria a companhia diária de seu filho até o dia 21 de abril seguinte, data em que ela compareceria diante de Deus para ser julgada. 

“Devo recomendar que, se eu morrer, não o digam a mamãe?”

Às apreensões com a saúde acrescentaram-se, para Dr. Plinio, perplexidades de alma: “O que dizer a mamãe se, por exemplo, eu tivesse que amputar uma parte de meu pé direito? Devo recomendar que, se eu morrer, não o digam a mamãe? Seria lícito nada dizerem a ela, a fim de lhe poupar um grande choque emocional?”

Mas, nesse caso, as pessoas que com ela tratavam ver-se-iam obrigadas a entrar pelas vias da mentira, para lhe ocultar a tragédia. Sofrendo Dª Lucilia de uma leve diminuição de lucidez, própria à ancianidade, teria direito de conhecer a verdade inteira? Por outro lado, se a Divina Providência quisesse prová-la, seria legítimo poupar-lhe essa borrasca?

Entre as inúmeras cogitações que então povoavam a alma de Dr. Plinio, constituíam estas últimas uma tremenda provação.

Por sua vez, aquela que era o objeto dessas preocupações estaria, provavelmente, passando por outras aflições. Em vista do inusitado movimento em sua residência, o maternal e afetuoso coração  ela notava a situação anormal em que se achava Dr. Plinio. Por que tantas pessoas desconhecidas a freqüentar o apartamento? Qual a razão das numerosas chamadas telefônicas? Eram perguntas que se iam acumulando nos horizontes já cansados e aflitos de Dª Lucilia. Tanto mais que, encontrando-se na contingência de fazer uso de uma cadeira de rodas, via-se coarctada em seu desejo de atender a todas as conveniências de seu querido filho.

De outro lado, não se podia exigir das empregadas de casa a perfeição da virtude da caridade. Elas ali estavam simplesmente para servir, pois para tal haviam sido contratadas. Assim, quando Dª Lucilia lhes pedia explicações a respeito do que se estava passando, cada uma dava a resposta que espontaneamente lhe vinha à mente, sem maiores cuidados.

Tais circunstâncias, acrescidas às intuições do coração de mãe, aumentavam o sofrimento de Dª Lucilia.

Deus qui ponit pondus…

Inicialmente, os médicos fizeram curativos no pé direito de Dr. Plinio no próprio “1º andar”. Depois julgaram que o melhor seria chamar um especialista, o qual, logo após examinar o enfermo, concluiu ser necessária uma urgente cirurgia para debelar a grave infecção. Naquela mesma noite, com os devidos cuidados, Dr. Plinio foi transladado ao Hospital Sírio-Libanês, onde o médico executou eximiamente a operação. O paciente ainda permaneceria alguns dias no hospital.

Às vezes, as graças mais insignes nos são dadas em meio aos males que, com a permissão da Providência, sobre nós se abatem: Deus qui ponit pondus, supponit manum — “Deus ampara com a mão a quem permite que seja provado”. Assim, em 16 de dezembro, Dr. Plinio recebeu de um amigo, vindo de Roma, um quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano. Ele próprio descreveria depois, com palavras impregnadas de filial e amorosa gratidão à Santíssima Virgem, esse episódio de transcendente significado para sua vida espiritual1.

Angustiante tranqüilidade

Enquanto os dias de hospital iam se escoando, no “1º andar” não faltaram motivos de aflição a Dª Lucilia. Fora-lhe ocultada a ida de Dr. Plinio para aquele centro médico. Ela percebia, pois, intrigada, que à intensa movimentação dos dias anteriores sucedia-se uma repentina e perplexitante tranqüilidade. Que teria acontecido a seu filho? Há muito não a visitava. Teria viajado? Ou uma grave doença se abatera sobre ele? Será que a morte o havia colhido?

Em razão de tais apreensões, suportadas no silêncio, cada vez mais a dor se ia tornando sua companheira, nos últimos lampejos de sua sofrida existência.

Felizmente, Dr. Plinio não demorou a voltar. A expressiva estampa da Mãe do Bom Conselho, que lhe fora oferecida no hospital, terá também despertado a atenção de Dª Lucilia. Não só pelo fato de seu filho a ter colocado em lugar de destaque no quarto dele, como sobretudo pela comunicatividade materna da fisionomia de Nossa Senhora e pela figura infinitamente régia e filial do Divino Infante.

O desvelo materno fê-la sonhar a realidade

Com vistas a minorar o sofrimento de sua mãe, Dr. Plinio continuou a ocultar-lhe o que se passara. Entretanto, era mister inventar uma história, a fim de responder às aflitas interrogações maternas, e explicar por que tinha ele o pé direito enfaixado, ficando tanto tempo recostado. Ocorreu a uma das empregadas, numa hora de aperto, dizer a Dª Lucilia que Dr. Plinio, passeando pelos caminhos pedregosos da fazenda de uns amigos, torcera o pé, e devia por prescrição médica permanecer em prolongado repouso.

Coração de mãe não se engana! Certa noite Dª Lucilia, em meio a um pesadelo a propósito da enfermidade de seu filho, viu o pé direito dele sofrer séria amputação. A partir desse momento se convenceu de que esta era a realidade. Portanto, algo muito mais grave do que o relato feito pela empregada. Quem encontraria argumentos para tranqüilizá-la? Tarefa nada fácil… Inúmeras foram as ocasiões, até a hora da morte, nas quais Dª Lucilia se referiu às cenas daquele sonho como retratando algo que efetivamente acontecera. Embora tão idosa, o desvelo materno fê-la descobrir o que não lhe fora dito, apesar de os circunstantes continuarem a encobrir a realidade com véus otimistas… (Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de Mons. João Clá Dias)(Revista Dr. Plinio, Março/2005, n.84, p. 6 a 9).

1) Cf. “Dr. Plinio” nº 21, pp. 16 ss; e nº 83, p. 4.

 
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