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Plinio Corrêa de Oliveira


Simbolismo e raciocínio no apostolado
 
PUBLICADO POR ARAUTOS - 28/01/2020
 
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Espírito eminentemente afeito ao universo das analogias, dos símbolos e das correlações, Dr. Plinio nos ensina como o conhecimento no homem deve nascer e se desenvolver, não apenas com o exercício da sua capacidade intelectiva, como também a partir da contemplação e compreensão dos incontáveis reflexos de Deus esparsos na Terra, entre os quais ocupa papel primordial o próprio homem e sua ação de presença.

A providência concedeu aos homens uma natureza ao mesmo tempo espiritual e material: somos alma e corpo. Nosso conhecimento não pode ser, portanto, comparado ao dos anjos, puros espíritos. Estes conhecem diretamente as coisas, ao invés dos homens que necessitam analisá-las, digamos, com dois olhos e não com um só, conjugando a ação das duas vistas para formar em nossa mente uma imagem completa do que é observado.

Intelecto e simbologia

Entenda-se, não me refiro às duas vistas físicas, mas procuro fazer uma paralelo: por um lado analisamos as coisas pelo intelecto, e por outro, as vemos através dos símbolos.

Com efeito, o homem só conhece inteiramente algo pelo lado doutrinário quando o compreende também pelo simbólico. E reciprocamente, apenas tem verdadeira idéia de seu aspecto representativo quando entende bem o doutrinário. É a convergência dessas duas visões que proporciona o conhecimento cabal, como os dois olhos produzem a vista exata.

O homem, maior símbolo de Deus

Entre os símbolos de Deus nesta Terra, nenhum tem tanto valor quanto o próprio homem. Quer dizer, cada coisa simboliza, de algum modo, o rei da criação, o qual se espelha no conjunto delas. Assim, o mar, um pássaro, uma pedra preciosa, têm importância simbólica na medida em que representam o homem, e o fazendo, simbolizam a Deus, pois somos imagem e semelhança do Altíssimo.

Tomo como exemplo ilustrativo as manifestações artísticas dos povos orientais. Ali encontramos inúmeras e lindas realizações dessa natureza. Pensemos no turbante de marajá com aigrettes, ou no fez, aquele barrete muito usado na Turquia, ambas as peças ornadas com gemas preciosas, são costumes encantadores. E sua beleza reside no fato de simbolizarem a mente humana. Devendo comparecer a um ato solene, o personagem ilustre escolhe um diamante, um rubi, uma safira, adorna o turbante ou o fez, para com essa pedra destacar tal aspecto de sua personalidade. No caso da aigrette, esta faz o papel de síntese da pessoa que a porta; as plumas esvoaçando acima da cabeça têm algo de superiormente belo, agradável, atraente.

Assim, cumpre sabermos ver em todas as coisas símbolos da alma humana e, portanto, de Deus. Aliás, podemos explicar melhor nossa natureza humana por analogia com seres inferiores a nós.

Por exemplo, tal pessoa é comparável a um leão, a uma águia, a um brilhante. Porém, o veio simbólico de nossa personalidade se anima e se alimenta, sobretudo, com o conhecimento de outros homens cujas mentalidades nos modelam. A influência exercida de um ente humano sobre outro é a ação de presença, a qual não é fácil definir, pois encerra muitas complexidades. Em linhas gerais, dir-se-ia que a ação de presença de qualquer pessoa é tudo aquilo que vemos, ouvimos e sentimos ao entrarmos em contato com ela.

Necessidade das “duas visões” no apostolado

Quem, portanto, pretendesse conhecer algo apenas no campo doutrinário, equivaler-se-ia à condição de um caolho, que não pode ver com exatidão. São necessários os dois
olhos para a visão global.

Assim, quem se dedica ao apostolado, à formação, transmitindo apenas a doutrina mas negando a imensa importância da influência pessoal, não terá real eficácia. Por outro lado, quem valoriza a ação pessoal deve, lenta e gradualmente, fazer com que a pessoa a quem está formando, sem perder sua sensibilidade pelos símbolos — antes, acentuando-a — penetre no mundo da razão, ou seja, no campo doutrinário. Senão, corre o risco de ficar com uma visão parcial, “caolha”, considerando as coisas somente pelo aspecto simbólico.

Quando os enjolras 1 começaram a freqüentar nosso movimento, alguns mais antigos observaram que eles se mostravam bem mais sensíveis à influência pessoal dos formadores, e menos à doutrina. Creio devermos analisar o assunto com objetividade e bom senso.

Considerando essa autêntica sensibilidade, aos poucos se cria neles o hábito do raciocínio, o que pode ser atestado por todas as exposições que lhes tenho feito. Juntamente com a tentativa de tornar aprazível o que digo, apresento sempre a razão, a doutrina. E me sentirei bem-sucedido e feliz se os enjolras realizarem o equilíbrio desses dois elementos: o da ação de presença do apóstolo (como símbolo do que ensina), e o racional.

Penso, aliás, que cometeríamos uma ingratidão para com a Providência se, tendo Ela nos concedido símbolos humanos e capacidade intelectiva, preteríssemos uma das duas coisas em favor da outra.

O auxílio da intuição

Nessa explanação estou mostrando o fundo do assunto que algum “ploc-ploc”2 não conseguiria perceber. Este julga que a verdade se conquista da seguinte forma: se ele ignora algo, começa a raciocinar e, na ponta do pensamento, encontra a solução. Não afirmo que este método seja errado, porém não é o modo comum do pensar humano.

Normalmente, baseado em verdades elementares, o homem faz um rápido raciocínio subconsciente — ao qual chamamos intuição — e compreende o fundo do problema. Em seguida, elabora outros raciocínios para encontrar a justificação explícita daquilo que intuiu. E a impressão pessoal ajuda muito mais a ver o cerne das questões do que a atividade puramente intelectiva.

Então, no processo intelectual, a ação de presença do formador confere um estímulo e já faz anunciar o ponto de chegada, para o qual o raciocínio tende. Assim, parece-me arrevesada a distinção tão grande que muitos estabelecem entre raciocínio e intuição, entendida esta última conforme expliquei. Mais do que ser um estimulante de primeira ordem para o raciocínio, a ação pessoal é algo sem o qual aquele não tem rumo nem ponto de chegada.

Importância da ação pessoal no amor a Deus

Além de seu papel no conhecimento, a ação pessoal se reveste de capital importância no ato de amar. Por exemplo, se alguém afirmasse que, mesmo sem uma notícia certa e documentada a respeito da Sagrada Face de Nosso Senhor, nós o amaríamos tanto quanto o amamos conhecendo o Santo Sudário de Turim — diria um disparate. E Nossa Senhora não teria se manifesta do tantas vezes para que os homens conhecessem a fisionomia d’Ela; a Igreja não nos recomendaria tanto o culto das imagens para podermos ter idéia dos santos, como auxílio para sermos capazes de venerá-los. E assim por diante, os exemplos se multiplicariam.

Diga-se, de passagem, que os séculos de racionalismo exageram a importância do lado racional e minguaram a da ação pessoal. Por isso me parece necessário fazer uma espécie de retificação para se ter a idéia global desse tema. Na Idade Média, por exemplo, a arte procurou exercer uma influência simbólica sobre o homem, enquanto que na Renascença ela se tornou mais racionalista. Tal mudança deformou os prismas, dificultando a visualização real e inteira desse assunto.

Ação de presença contra-revolucionária

Corolário do que acima dissemos é o dever de cada um de nós exercer, com o auxílio da graça, a influência pessoal contra-revolucionária.

Como não estamos no Paraíso, mas nesta terra de luta, não basta ao contrarevolucionário ser o símbolo do que afirma. Precisa ser também a representação oposta daquilo que ele censura. Desse modo, sua ação simbólica deve ser empreendida concomitantemente pelos lados positivo e negativo. Do contrário, ele não será um autêntico contra-revolucionário.

São Francisco de Assis, Museu do Louvre (Paris);

Quanto ao aspecto negativo, sei que simbolizo o oposto da Revolução, pois é o que me demonstra a experiência de todos os dias, horas, momentos, ocasiões.

Entendo aqui ação pessoal, não no sentido em que se dizia outrora ao se afirmar que este ou aquele personagem exercia grande influência sobre seus semelhantes. Não se trata do predomínio de um talento ou predicado humano sobre outro, mas é a capacidade evocativa de um determinado píncaro de verdades, de pensamento, cuja Mestra é a Igreja.

“Uma pessoa menos inteligente
pode simbolizar algo com
mais intensidade do que
outra, dotada de maior
capacidade intelectual”
Dr. Plinio aos 85 anos

Nessa linha, é possível que uma pessoa menos inteligente possa simbolizar algo mais intensamente do que outra, dotada de maior capacidade intelectual. Por exemplo, poder-se-ia afirmar ter São Francisco de Assis simbolizado mais vigorosamente a pobreza do que São Tomás de Aquino, o qual seria capaz de discorrer melhor sobre essa virtude do que Il Poverello.

Importa assinalar que não pretendo dizer ter sido São Francisco de Assis mais insigne do que o Doutor Angélico na prática da pobreza. Afirmo tão-somente que essa virtude se exprimia pelos seus mais elevados aspectos na pessoa do primeiro. Por sua vez, São Tomás também era um símbolo: representava o tomismo.

Assim, cada um de nós precisa simbolizar, em graus diferentes, a Contra-Revolução, ou seja, a verdade da ordem católica em confronto com os erros da Revolução.

Limitações da mentalidade “ploc-ploc”…

Essa ação pessoal em favor do bem pode não ser vista de modo tão amigável por todos aqueles aos quais ela gostaria de influenciar.

Imaginemos um apóstolo que exerça superior ação de presença contrarevolucionária. Os efeitos dela sobre um indivíduo vão se apagando, quando este começa a decair na vida espiritual; e, pelo contrário, acendendo na medida que progredir.

Se tal pessoa fosse ministrar uma conferência numa universidade cujos assistentes tivessem a mentalidade “ploc-ploc”, sua influência não seria aceita. Pois, embora reconhecessem que ela expõe com facilidade os aspectos mais elevados de vários assuntos, diriam: “Mas, não é um especialista!”

Em outras palavras, por qualquer defeito de sua estrutura mental, o “ploc-ploc” aprecia apenas o conhecimento racional, sem demonstrar amor pelos símbolos. (Revista Dr. Plinio, Janeiro/2006, n. 94, p. 18 a 23).

1) Palavra afetuosa utilizada por Dr. Plinio para designar seus jovens discípulos os quais surgiram aproximadamente a partir de 1970. Havia neles acentuado grau de debilidade, comparados com aqueles que os antecederam, os da “geração nova” (cf. “Dr. Plinio” número 81, p. 17). Entretanto, a Providência concedeu aos “enjolras” uma maior capacidade de amar e se entusiasmar pelo belo e captar o aspecto simbólico das coisas.
2) Expressão onomatopéica criada por Dr. Plinio para designar o defeito de certas pessoas que, desprovidas de intuição, minoram a importância dos símbolos e negam o valor da ação de presença. Querem tudo explicar por raciocínios desenvolvidos de modo lento e pesado, à maneira de um paralelepípedo que, ao ser girado sobre o solo, emite o ruído “ploc-ploc”.

 
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