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Evangelho do 3º Domingo da Quaresma
 
AUTOR: MONS. JOÃO SCOGNAMIGLIO CLÁ DIAS, EP
 
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Quem ama castiga? Quem castiga ama?

A cena que o Evangelho do 3º Domingo da Quaresma nos desvenda parece destoar dramaticamente das outras atitudes de Nosso Senhor.

justiça - Mons. João CláAo chegar ao Templo, Jesus deparou-Se com um quadro desolador. A atitude que vai tomar nessa circunstância Lhe dará o ensejo de deixar, para todos os séculos, uma admirável lição da virtude da justiça, permitindo-nos contemplar um aspecto raramente salientado — mas quão grandioso e adorável! — de sua divina personalidade.

Não constituiu uma surpresa para Jesus o estado de desordem e profanação instalado na casa de seu Pai. Havia muito que nela se praticavam abusos, e não era por falta de uma legislação clara. As piores transgressões, porém, eram resultado do espírito de ganância.

Um chicote saído das mãos de Jesus

O Homem-Deus — Aquele a cuja voz os mares e os ventos obedeceriam (cf. Mt 8, 27), pela qual a lepra, a cegueira, a surdez, a paralisia desapareceriam (cf. Mt, 11, 5); Aquele que, com o brado “Lázaro, vem para fora!” (Jo 11, 43), ressuscitaria um morto de quatro dias; Aquele que veio nos trazer a vida (cf. Jo 6, 47) — põe-Se a tecer um chicote de cordas.

Como somos compostos de corpo e alma, não nos bastam as abstrações do raciocínio. Nossos sentidos corporais pedem figuras palpáveis, que nos auxiliem a compreender a verdade de modo profundo. Temos necessidade das asas dos símbolos para voar até Deus.

Na sua vida pública — recém-iniciada —, quantas vezes não dirá Ele aos pecadores arrependidos: Vai, teus pecados estão perdoados! Sua misericórdia constituirá um enorme escândalo para os fariseus. Mas agora, aquelas divinas mãos sedentas de abençoar, curar, perdoar e salvar teceram um flagelo… para castigar os infratores da Lei.

Que extraordinária relíquia este chicote! Se tivesse sido conservado pelos primeiros cristãos, certamente seria objeto de culto em alguma catedral até os dias de hoje.

Movido por um zelo ardentejustiça

Na vastidão do Templo e entre o bulício daquela multidão, a violência empregada pelo Divino Mestre deve ter sido inédita.

Comentando a cena, Orígenes vê no gesto de Jesus uma demonstração de seu poder, e diz tratar-se de um verdadeiro milagre, maior até do que o operado nas Bodas de Caná, pois o ímpeto de um único homem foi suficiente para desbaratar milhares. Bastaria a alguém contemplar esse heroísmo para concluir não ser Jesus o simples filho de um carpinteiro, acrescenta o mesmo autor.

A ação de Jesus com o açoite em punho se inseria entre outras atitudes motivadas por seu zelo ardente pela santidade da casa de Deus.

Quem ama, corrige e castiga com justiça

Quanto se prega hoje em dia contra a disciplina, a ponto de se deformar o verdadeiro conceito de liberdade! Uma concepção errada, baseada nas ideias de Rousseau — de que todo homem é bom, e por isso deve ser deixado entregue à sua natureza —, penetrou em muitos ambientes, inculcando uma máxima que poderia ser expressa assim: “Todo homem é bom, a correção é que o torna mau”.

Entretanto, o ensinamento da Escritura não deixa margem a dúvida. Os autores sagrados discordam desse ponto de vista tão comum em nossos dias, como por exemplo, nesta passagem: “A loucura apega-se ao coração da criança; a vara da disciplina afastá-la-á dela” (Pr 22, 15). E mais adiante: “Não poupes ao menino a correção: se tu o castigares com a vara, ele não morrerá, castigando-o com a vara, salvarás sua vida da morada dos mortos” (Pr 23, 13-14). E ainda: “Quem poupa a vara odeia seu filho; quem o ama, castiga-o na hora precisa” (Pr 13, 24).

Estas palavras talvez sejam duras para os ouvidos de hoje, todavia foram inspiradas pelo próprio Espírito Santo e devem ser recebidas com amor.

justiçaMas bondade exclui a justiça?

A bondade do Homem-Deus é infinita e, portanto, inesgotável. Mas Jesus não é exclusivamente a Bondade. Ele é também a Justiça. Apesar de serem extremos opostos, castigo e bondade constituem contrários harmônicos.

Por este motivo, numa educação sábia e virtuosa, da mesma forma que jamais podem faltar a bondade, o afeto, a misericórdia, também não pode ser desprezada a disciplina: “Vara e correção dão a sabedoria; menino abandonado à sua vontade se torna a vergonha da mãe” (Pr 29, 15).

Nesta matéria tão delicada, nota-se uma perfeita continuidade entre o ensinamento moral do Antigo e o do Novo Testamento.

A implacável atitude de Jesus no Templo lançou por terra não apenas as mesas dos cambistas, como também quaisquer objeções contra o perfeito conúbio entre justiça e misericórdia.

Aquele mesmo Jesus de doce memória, como canta a Liturgia, ensina-nos neste 3º Domingo da Quaresma a necessidade da correção, através da ilustração viva de um de seus princípios enunciados no Sermão da Montanha: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados!” (Mt 5, 6). Ademais, no Apocalipse nos torna patente a aliança indissolúvel entre amor e repreensão: “Eu repreendo e castigo aqueles que amo” (3, 19).

Com Maria, adoremos Jesus na sua totalidade

Ao terminar estas considerações, relacionemos portanto as duas lições tiradas do Evangelho do 3º Domingo da Quaresma, narrado por São João. Ele nos exorta a extrair de nossos corações o pragmatismo, o egoísmo de querermos nos servir de Jesus, das graças e da Religião apenas para nosso proveito pessoal, crendo em seu nome, e não mudando de vida e de costumes. É correto conservarmos nossa maneira de viver e nossos costumes, desde que não sejam ilícitos. Indispensável é, contudo, ter a alma enlevada e submissa à moral e Religião ensinadas por Nosso Senhor, adorando-O em todos os aspectos de suas virtudes, entusiasmada por sua misericórdia e também por sua justiça, como Jesus mostrou no episódio dos vendilhões do Templo. Sem dúvida, Ele quer ser adorado por nós e adorado na sua totalidade.

Elejamos Maria — insuperável modelo desse amor a Jesus na sua integridade — como nossa mestra e guia da entrega sem limites que devemos fazer a Ele, adorando-O na harmonia de suas virtudes aparentemente contraditórias.

SAIBA MAIS

A misericórdia convive com a justiça

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