Mediante os Sacramentos
Examinemos, com Fr. Royo Marín, o crescimento da graça em Nossa Senhora através dos Sacramentos.
Antes de tudo, cabe perguntar: recebeu Maria algum Sacramento? A esta questão deve-se responder que, provavelmente, recebeu unicamente dois: o Batismo e a Eucaristia. a) Certamente que não recebeu nem podia receber o Sacramento da Ordem, por estar reservado aos homens. Maria exerceu um sacerdócio sublime ao pé da Cruz, mas não recebeu o caráter sacerdotal que imprime o Sacramento da ordem aos que o recebem. b) Tampouco pode receber o Sacramento da Penitência, posto que foi instituído por Cristo para o perdão dos pecados, e Maria não teve jamais a menor sombra de pecados, nem sequer levíssimo. Pelo mesmo motivo não recebeu a Unção dos Enfermos, que tem por finalidade destruir dos últimos rastros e relíquias do pecado, e é, por isto, um complemento do Sacramento da Penitência. c) Tampouco recebeu o Sacramento do Matrimônio, porque seu legítimo consórcio com São José se celebrou segundo o rito da Lei Antiga (como simples contrato natural), já que não existia ainda o matrimônio como Sacramento, que foi instituído mais tarde por Nosso Senhor Jesus Cristo. d) É duvidoso que tenha recebido o Sacramento da Confirmação - em absoluto pode recebê-lo - mas certamente recebeu o efeito principal do mesmo, e de maneira pleníssima, no dia de Pentecostes, quando desceu sobre Ela e os Apóstolos o Espírito Santo em forma de línguas de fogo (At. I, 14 e II, 1-4). Nesse momento se produziu na alma de Maria um imenso aumento de graça santificante. e) É quase seguro que recebeu o Sacramento do Batismo (provavelmente das mãos de seu próprio Filho Jesus), pois embora não o necessitasse para extinguir a culpa original - posto que não a tinha -, era conveniente que o recebesse por duas razões: para imprimir-Lhe o caráter de cristã; e porque o Batismo é a porta dos demais Sacramentos (e assim, por exemplo, ninguém pode comungar validamente se não está batizado). f) O que é certo e seguro é que recebeu muitíssimas vezes o Sacramento da Eucaristia, quiçá diário, como era costume na Igreja primitiva. E em cada uma de suas comunhões se aumentava na alma de Maria a graça santificante em imensas proporções. Se uma só comunhão, certamente recebida com menos fervor foi o suficiente para santificar a Santa Imeldita Lambertini, quem poderá imaginar o que produziria na alma de Maria a recepção sacramental daquele mesmo Filho que havia concebido em suas virginais entranhas por obra do Espírito Santo?Crescimento pela oração de súplica
O justo - prossegue Fr. Royo Marín - pode obter o aumento da vida da graça também pela oração, dirigida à infinita misericórdia de Deus. A oração é tanto mais eficaz quanto mais humilde, confiada e perseverante seja; e quando pede, em primeiro lugar, o aumento das virtudes e não os bens temporais, segundo as palavras de Cristo: "Buscai primeiro o reino de Deus e sua justiça, e o resto lhe será dado por acréscimo" (Mt. VI, 33) Assim, o justo pode, por uma oração fervorosa, impetratória e meritória ao mesmo tempo, obter muitas vezes de imediato mais do que merece, quer dizer, não só o aumento da caridade merecida, senão o que se alcança especialmente pela força impetratória da oração, diferente do mérito. A oração de Nossa Senhora eram desde sua infância, não só muito meritória, senão que possuía um valor impetratório inimaginável, pois era proporcionado à sua humildade, à sua confiança e à perseverança de sua ininterrupta generosidade, sempre em crescimento. Obtinha assim, conforme esses princípios certíssimos, um amor cada vez mais puto e mais intenso.Outros crescimentos da graça em Maria
Independente de toda essa riqueza de meios de santificação, é sentença unânime dos autores eclesiásticos que Deus produziu na alma de Maria grandes aumentos de graça, em alguns lances culminantes de sua vida. Ouçamos como o Pe. Roschini desenvolve, com verdadeira piedade o sentir comum dos mariólogos. O momento da Encarnação do Verbo! A graça com que a Virgem foi cumulada desde o primeiro instante de sua conceição e que esteve sempre a crescer com o exercício constante de virtudes heróicas, no momento em que, em seu seio, bem perto de seu coração, começou a palpitar o coração mesmo do Filho de Deus, teve um aumento de proporções incalculáveis. Jesus começou a espargir de modo físico os tesouros de sua graça. No seio de Maria e ao tempo em que recebia d'Ela o ser corpóreo e natural, Jesus Lhe comunicava de um modo incomparável, a vida sobrenatural e divina, pois Ela fazia parte, como nós, do Corpo Místico, do qual Jesus é a cabeça. Aumentou ainda mais essa graça no momento do nascimento do Salvador Divino. Esta fonte tão viva não secou, não podia secar, quando se destacou da haste virginal a formosa flor dos campos, o cândido lírio do vale. A Mãe permaneceu sempre unida ao Filho por um estreitíssimo vínculo moral. Maria, escreve Santo Agostinho, nutria Jesus com seu leite virginal e Jesus nutria Maria com a graça divina. Maria envolvia Jesus em humildes panos e Jesus revestia Maria com o manto da imortalidade. Maria depunha Jesus no presépio e Jesus preparava para Maria uma mesa celeste (Serm. XIV de Tempore, PL 39, 2104). Quando Maria O embalava docemente, quando o apertava ao colo e punha naquela face de Paraíso seus cálidos ósculos de Virgem e de Mãe, Jesus A tomava em seu coração e Lhe retribuía com o beijo eterno da Divindade, isto é, com sua graça. A estas carícias do Menino, acrescenta São Pedro Canísio, Maria se tornava mais bela, mais santa, mais divina" (De Deiparae, I. 4. c. 26). Se o mistério da Encarnação foi tão fecundo em graça para a Virgem Santíssima, não o foi menos o mistério da Paixão e Morte de Cristo. Como nenhuma alma tinha tomado tanta parte no sacrifício da Cruz quanto a Virgem, assim também nenhuma alma devia recolher dele frutos mais fecundos. Aos pés daquele patíbulo de morte, do qual pendia a Vida, Maria recebeu uma plenitude de graça inexprimível.A graça final de Maria
Sobre o que os teólogos denominam graça final de Maria, isto é, a plenitude de graça com que se encontrava no termo de sua peregrinação terrena, escreve o Fr. Royo Marín: Ninguém poderá jamais imaginar o grau de graça alcançado pela Santíssima Virgem no último momento de sua vida terrestre. Se no primeiro instante de sua imaculada conceição, sua santíssima alma acumulou maior caudal de graças do que possuem no Céu todos os Anjos e bem-aventurados juntos; se durante toda a sua vida aquela graça foi crescendo sem cessar, com movimento uniformemente acelerado, pelas vias do exercício das virtudes, do Sacramento da Eucaristia e pela sua ininterrupta oração, calcule quem puder, com sua aturdida imaginação, qual seria o grau de graça alcançado pela Mãe de Deus no momento em que saiu deste mundo. Foi uma imensa plenitude, inconcebível, se bem que não infinita, já que a infinitude da graça é própria e exclusiva de Jesus Cristo. Fora da graça infinita de Cristo, não se pode imaginar outra maior que a alcançada por Maria, no termo de sua vida terrena.***
Como ponto final deste capítulo, citemos estas belas palavras do Fr. Bernard, O.P.: "Em Maria a vida da graça começou por uma Conceição Imaculada, e terminou por uma Assunção e um Coroamento de glória. Um triunfo da graça para iniciar, um triunfo para findar. E, no intervalo, uma contínua santificação (como diz São Tomás), em estado que, a cada instante, não fez senão crescer e embelezar-se, e que em cada fase de seu magnífico desenvolvimento, realizou a perfeição.
Sempre houve em Maria a plena medida da vida divina: antes de tudo, a plenitude que convinha a esta Bem-aventurada Virgem para se dispor a ser a Mãe do Cristo; depois, a que Lhe importava ter para sê-lo com toda perfeição, primeiramente neste mundo, e finalmente no outro". (CLÁ DIAS, JOÃO. Pequeno Ofício da Imaculada Conceição Comentado. Artpress. São Paulo, 1997, pp. 468 à 471))