Há quase dois mil anos, os Apóstolos, reunidos na sala superior do Cenáculo, juntamente com Maria (cf. At 1, 14) e algumas mulheres fiéis, ficaram cheios do Espírito Santo (cf. At 2, 4).
Naquele momento extraordinário, que marcou o nascimento da Igreja, a confusão e o medo que tinham se apoderado dos discípulos de Cristo transformaram-se numa convicção vigorosa e na certeza de um objetivo.
Sentiram-se impelidos a falar do seu encontro com Jesus ressuscitado, que afetuosamente já tratavam por Senhor.
[…] E, dando cumprimento ao mandato recebido pelo próprio Cristo, partiram testemunhando a maior história de todos os tempos: que Deus Se fez um de nós, que o divino entrou na história humana para poder transformá-la, e que somos chamados a mergulhar no amor salvífico de Cristo que triunfa do mal e da morte. […]
Um testemunho cristão livre de interesses egoístas
A partir de então, homens e mulheres partiram para contar a mesma história, testemunhando o amor e a verdade de Cristo e contribuindo para a missão da Igreja.
Ao nosso pensamento vêm hoje os pioneiros – sacerdotes, freiras e frades – que chegaram a estas praias e a outras partes do Pacífico, vindos da Irlanda, da França, da Grã-Bretanha e de outros lados da Europa.
A maior parte deles era jovem – alguns não tinham sequer vinte anos – e, quando se despediram para sempre dos pais, dos irmãos, das irmãs, dos amigos, bem sabiam que seria improvável o seu regresso à casa.
As suas vidas foram um testemunho cristão livre de interesses egoístas.
Tornaram-se construtores humildes, mas tenazes, de uma herança social e espiritual tão grande que ainda hoje proporciona bondade, compaixão e orientação a estas nações. E foram capazes de inspirar uma geração nova.
A beleza da Criação
[…] Hoje é a minha vez. A alguns de nós, pode parecer que chegamos ao fim do mundo!
Para as pessoas da vossa idade, qualquer voo se reveste sempre de uma perspectiva excitante.
Mas, para mim, este voo foi em certa medida causa de apreensão.
E, todavia, a vista do alto sobre o nosso planeta foi verdadeiramente magnífica.
As águas tremeluzentes do Mediterrâneo, a magnificência do deserto norte-africano, a floresta luxuriante da Ásia, a vastidão do Oceano Pacífico, o horizonte onde o sol se levanta e desce, o majestoso esplendor da beleza natural da Austrália que pude gozar nos últimos dias; tudo isto gera um profundo sentido de reverente temor.
É como se captassem rápidas imagens da História da criação narrada no Gênesis: a luz e as trevas, o Sol e a Lua, as águas, a terra e as criaturas vivas. Tudo isto é “bom” aos olhos de Deus (cf. Gn 1, 1 - 2, 4).
Imersos em tal beleza, era impossível não fazer eco às palavras do salmista que assim louva o Criador: “Como é grande o vosso nome em toda a terra!” (Sl 8, 2).
Mas há mais; algo cuja percepção é difícil quando visto do alto dos céus: homens e mulheres criados nada menos que à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26).
No coração desta criação maravilhosa, estamos nós: vós e eu, a família humana “coroada de glória e honra” (cf. Sl 8, 6).
Que maravilha! Com o salmista, sussurramos para Deus: “Que é o homem para Vos lembrardes dele?” (cf. Sl 8, 5).
Imersos no silêncio, num espírito de gratidão, na força da santidade, pomo-nos a refletir.
As feridas que os homens causam na obra de Deus
E que descobrimos? Com relutância, talvez, mas chegamos a admitir que existem também feridas que desfiguram a superfície da terra: a erosão, o desflorestamento, o esbanjamento dos recursos minerais e marítimos para alimentar um consumismo insaciável.
Alguns de vós chegais das ilhas-Estado que se veem ameaçadas na sua própria existência pelo aumento do nível das águas; outros, de nações que sofrem os efeitos de secas devastadoras.
Às vezes, a criação maravilhosa de Deus é sentida quase como uma realidade hostil aos seus guardiães, se não mesmo como algo perigoso.
Como pode o que é “bom” aparecer assim tão ameaçador?
E mais… Que dizer do homem, do vértice da criação de Deus?
Todos os dias, deparamos com o gênio das conquistas humanas.
Devido aos avanços nas ciências médicas e à sábia aplicação da tecnologia até a criatividade que se espelha nas artes, cresce de muitos modos e constantemente a qualidade de vida para satisfação das pessoas.
Em vós mesmos, há uma pronta disponibilidade para acolher as abundantes oportunidades que vos são oferecidas.
Alguns sobressaem nos estudos, no esporte, na música, ou na dança e no teatro; outros têm um sentido agudo da justiça social e da ética, sendo muitos os que assumem compromissos de serviço e de voluntariado.
Todos nós, jovens e idosos, temos momentos em que a bondade inata da pessoa humana – perceptível talvez no gesto de uma criança ou na disponibilidade de um adulto em perdoar – nos enche de profunda alegria e gratidão.
Também o ambiente social tem suas cicatrizes
Mas tais momentos não duram muito.
Por isso, levando adiante a nossa reflexão, descobrimos que não é só o ambiente natural que tem as suas cicatrizes, mas também o ambiente social, o habitat que nós mesmos criamos; feridas essas que indicam que alguma coisa não está certa.
Também aqui, nas nossas vidas pessoais e nas nossas comunidades, podemos encontrar inimizades por vezes perigosas; um veneno que ameaça corroer o que é bom, plasmar de modo diferente o que somos e alterar a finalidade para a qual fomos criados.
Os exemplos não faltam, como bem sabeis.
Entre os mais salientes, contam-se o abuso de álcool e de drogas, a exaltação da violência e a degradação sexual, frequentemente apresentados na televisão e na internet como divertimento.
Pergunto-me: como alguém, colocado face a face com pessoas que estão realmente sofrendo violência e exploração sexual, poderá explicar que tais tragédias, reproduzidas de forma virtual, devem considerar-se simplesmente como “divertimento”?
Além disso, há algo de sinistro que nasce do fato de a liberdade e tolerância serem tantas vezes separadas da verdade.
Isto é alimentado pela ideia, hoje largamente espalhada, de que não há uma verdade absoluta para guiar as nossas vidas.
Na prática, dando indiscriminadamente valor a tudo, o relativismo fez da “experiência” a coisa mais importante.
Na realidade, as experiências, desligadas de qualquer consideração do que é bom ou verdadeiro, podem conduzir, não a uma liberdade genuína, mas a uma confusão moral ou intelectual, a uma atenuação dos princípios, à perda da autoestima e mesmo ao desespero.
A vida é uma busca da verdade, do bem e da beleza
Queridos amigos, a vida não é governada pela sorte, nem é casual. A vossa existência pessoal foi querida por Deus, abençoada por Ele, tendo-lhe dado uma finalidade (cf. Gn 1, 28).
A vida não é uma mera sucessão de fatos e experiências, por mais úteis que muitos deles possam se revelar. Mas é a busca da verdade, do bem e da beleza.
É precisamente para tal fim que fazemos as nossas opções, exercemos a nossa liberdade e nisso mesmo – isto é, na verdade, no bem e na beleza – encontramos felicidade e alegria.
Não vos deixeis enganar por quantos vos olham como meros consumidores num mercado de possibilidades indiferenciadas, onde a escolha em si mesma se torna o bem, a novidade se contrabandeia como beleza e a experiência subjetiva suplanta a verdade.
No dia do Batismo, Deus introduziu-vos na sua santidade
Cristo oferece mais… antes, oferece tudo!
Só Ele, que é a Verdade, pode ser o Caminho e, consequentemente, também a Vida.
Assim, o “caminho” que os Apóstolos estenderam até aos confins da terra é a vida em Cristo. É a vida da Igreja. E a entrada nesta vida, na vida cristã, é o Batismo.
Por isso, nesta tarde, desejo recordar-vos brevemente algo da nossa noção do Batismo, antes de considerar amanhã o Espírito Santo.
No dia do Batismo, Deus introduziu-vos na sua santidade (cf. II Pd 1, 4).
Adotados como filhos e filhas do Pai, fostes incorporados em Cristo. Tornastes-vos morada do seu Espírito (cf. I Cor 6, 19).
Por isso, na parte final do rito do Batismo, o sacerdote, dirigindo-se aos vossos pais e demais participantes, e chamando-vos pelo nome, disse: “És nova criatura”.
Queridos amigos, em casa, na escola, na universidade, nos lugares de trabalho e de diversão, recordai-vos que sois criaturas novas.
Como cristãos, encontrais-vos neste mundo sabendo que Deus tem um rosto humano: Jesus Cristo, o “caminho” que satisfaz todo o anseio humano e a “vida” da qual somos chamados a dar testemunho, caminhando sempre na sua luz (cf. ibid., 100).
A tarefa de testemunha não é fácil.
Hoje, há muitos que pretendem que Deus deva ficar de fora e que a religião e a fé, embora aceitáveis no plano individual, devam ser excluídas da vida pública ou então utilizadas somente para alcançar determinados objetivos pragmáticos.
Quando Deus fica eclipsado, começa a esmorecer nossa capacidade de reconhecer a ordem natural
Essa perspectiva secularizada procura explicar a vida humana e plasmar a sociedade com pouco ou nenhum referimento ao Criador. Apresenta-se como uma força neutra, imparcial e respeitadora de todos e cada um.
Na realidade, porém, como qualquer ideologia, o secularismo impõe uma visão global.
Se Deus é irrelevante na vida pública, então a sociedade poderá ser plasmada segundo uma imagem alheada de Deus. Mas quando Deus fica eclipsado (oculto), começa a esmorecer a nossa capacidade de reconhecer a ordem natural, o fim e o “bem”.
Aquilo que fora pomposamente exaltado como engenho humano, bem depressa se manifestou como loucura, avidez e exploração egoísta.
E assim fomo-nos conscientizando cada vez mais da necessidade de humildade, perante a delicada complexidade do mundo de Deus.
E que dizer do nosso ambiente social?
Permanecemos igualmente alertas quanto aos sinais do nosso voltar as costas à estrutura moral de que Deus dotou a humanidade (cf. Mensagem para o Dia Mundial da Paz 2007, 8)?
Sabemos reconhecer que a dignidade inata de cada indivíduo assenta na sua dignidade mais profunda de imagem do Criador e que, por isso mesmo, os direitos humanos são universais, baseados sobre a lei natural, e não algo dependente de negociações ou de condescendência, e menos ainda de compromissos?
Desse modo somos levados a refletir sobre o lugar que têm os pobres, os idosos, os imigrantes, os sem-voz, nas nossas sociedades.
Como é possível que a violência doméstica atormente tantas mães e crianças? Como é possível que o espaço humano mais admirável e sagrado, o ventre materno, se tenha tornado lugar de violência indizível?
A reflexão sobre o meio ambiente deve estar acompanhada pela cogitação sobre a dignidade humana
Queridos amigos, a criação de Deus é única e é boa.
As preocupações com a não-violência, o progresso sustentável, a justiça e paz, o cuidado do nosso ambiente são de importância vital para a humanidade.
Tudo isto, porém, não pode ser compreendido prescindindo de uma reflexão profunda sobre a dignidade congênita de cada vida humana desde a sua concepção até à morte natural, uma dignidade que lhe é conferida pelo próprio Deus e, por conseguinte, inviolável.
O nosso mundo está cansado da ambição, da exploração e da divisão, do tédio de falsos ídolos e de respostas parciais, e da mágoa de falsas promessas.
O nosso coração e a nossa mente anelam por uma visão da vida onde reine o amor, onde os dons sejam partilhados, onde se construa a unidade, onde a liberdade encontre o seu próprio significado na verdade e onde a identidade seja encontrada numa comunhão respeitosa.
Esta é obra do Espírito Santo. Esta é a esperança oferecida pelo Evangelho de Jesus Cristo.
Foi para dar testemunho dessa realidade que fostes regenerados no Batismo e fortalecidos com os dons do Espírito, no Crisma.
Seja esta a mensagem que de Sidney levareis pelo mundo!