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Palavra dos Pastores


Homens e obras providenciais
 
AUTOR: REDAÇÃO
 
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Como é belo pensar que ao longo dos séculos a voz de Pedro está permanentemente secundada pelo eco fidelíssimo da voz dos homens e obras providenciais suscitados por Deus para remediar os males de cada época!

Dom Manuel Monteiro de Castro
Secretário da Congregação para os Bispos

Os antigos romanos comemoravam em 22 de fevereiro a memória dos defuntos e nesse dia comiam junto às suas sepulturas. Cada tumba era considerada uma “cátedra” (do grego, kathédra, “cadeira”), ou seja, um assento reservado para o defunto, como se ele fosse um convidado ao banquete.

No século IV, começou a generalizar- se entre os cristãos o costume de venerar o túmulo e os restos de um defunto que se destacava entre a incontável multidão dos mártires do primeiro século: era a “Cátedra de Pedro”, pescador da Galileia, na Palestina, Apóstolo de Cristo Jesus, primeiro Papa. O significado teológico da festa atual, nós o encontramos na Oração Coleta, que rezamos antes das leituras: “Concedei, ó Deus todo poderoso, que entre as conturbações do mundo não se abale a vossa Igreja, edificada sobre a rocha com a profissão de Fé do Apóstolo Pedro”.

O nome exprime a função de um ser no universo

Podemos nos perguntar, inicialmente, o seguinte: por que Simão se tornou Pedro, isto é, “pedra”, “rocha”? Porque

Santa Missa.jpg
Um momento da Missa celebrada na Igreja de San
Benedetto in Piscinula, Roma, por ocasião da festa da
Cátedra de Pedro

recebeu uma missão particular. À profissão de Fé de Simão, revelada a ele pelo Pai “que está nos Céus”, responde Jesus: “E Eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16, 18). Trata-se de um episódio de importância fundamental, e não de uma simples mudança de nome.

Com efeito, entre os antigos o nome exprime a função de um ser no universo. Tratando-se de uma pessoa, agir sobre o nome significa tomar posse do ser; mudar o nome de alguém é sinal de impor-lhe uma nova personalidade, transformandoo num vassalo. No Novo Testamento, quando se tem uma missão divina, o seu nome vem do Céu.

Portanto, dando a Simão o nome de Pedro, Jesus manifesta um poder que estabelece de modo definitivo um “antes” e um “depois” na vida de Simão Pedro. A tal ponto que, quando Pedro manifestava alguma fraqueza, Nosso Senhor o chamava pelo velho nome de Simão, a fim de exortá-lo a ser vigilante. Por exemplo, no Horto das Oliveiras: “Foi ter com Seus discípulos e os encontrou dormindo. Disse a Pedro: Simão, dormes? Não pudeste vigiar sequer uma hora?” (Mc 14, 37). Da mesma forma na Última Ceia: “Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como o trigo; mas Eu roguei por ti, para que a tua confiança não desfaleça” (Lc 22, 31-32). Ou também como fez no Lago de Tiberíades, após a Ressurreição: “Simão, filho de João, amas-me mais do que estes?” (Jo 21, 15ss).

Singular poder de vincular o Céu à Terra

De fato, apesar de tudo, as coisas mudaram realmente. Na lista dos doze Apóstolos, Simão Pedro vem sempre apresentado em primeiro lugar. Junto com Tiago e João, filhos de Zebedeu, faz parte do restrito grupo dos confidentes de Jesus. Na maior parte das vezes, fala como representante dos Doze. Depois da Ascensão de Jesus ao Céu, ele é apresentado na Sagrada Escritura como o chefe da comunidade cristã de Jerusalém, o centro da Igreja de então.

Logo após seu martírio e o de São Paulo, toda a comunidade Católica reconhece a primazia da Igreja de Roma, como referem já no segundo século Santo Inácio de Antioquia e Santo Irineu de Lyon. Quando, em seguida, começa a propagarse o culto à memória do Apóstolo, a “Cátedra de Pedro” torna-se o símbolo da autoridade do Bispo de Roma, como atestam os concílios, os Papas e os santos até aos nossos dias. Assim, a Igreja é de tal forma partícipe da própria infalibilidade de Nosso Senhor Jesus Cristo que se dá a essa “cátedra” o singular poder de vincular o Céu à Terra: “Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na Terra será ligado nos Céus, e tudo o que desligares na Terra será desligado nos Céus” (Mt 16, 19).

Cátedra sustentada por uma força toda divina

Na Basílica de São Pedro, no fundo da abside, abaixo da “Glória” de Bernini, junto ao Altar da Cátedra, encontra-se uma representação artística precisamente dessa Cátedra: o trono que simboliza a dignidade e a autoridade do Romano Pontífice, chefe do Colégio dos Bispos, supremo Pastor e Doutor de todos os fiéis. Essa reprodução em bronze, remontante ao século XVII, contém no seu interior, como digno relicário, a bimilenar cátedra original, feita de carvalho, usada por São Pedro para presidir as celebrações da comunidade cristã na casa de Áquila e Prisca, em Roma. Preciosa relíquia que até o século IV era exposta à veneração dos fiéis no batistério da Basílica Constantiniana de São Pedro no dia 22 de fevereiro, e foi usada durante toda a Idade Média para a entronização do Vigário de Cristo.

A “cátedra” encontra-se ladeada por quatro Padres da Igreja: dois à direita e dois à esquerda. Santo Ambrósio e Santo Agostinho, da Igreja Latina; Santo Atanásio e São João Crisóstomo, da Igreja do Oriente. Como a “cátedra” se ergue um tanto acima deles, ouve-se com frequência guias turísticos e outras pessoas dizerem que os quatro “Bispos” ali estão

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D. Manuel Monteiro de Castro, acompanhado
por Mons. João Sconamiglio Clá Dias, na chegada
a Igreja de San Benedetto in Piscinula

“sustentando o trono do Papa”, senão este cairia por terra. Nada mais distante da realidade.

O artista, efetivamente, sabia bem o que fazia. Quem observa com atenção, dá-se conta de que não há contato físico entre as mãos dos quatro “Bispos” e os pés do trono. A “cátedra” se apresenta no ar, sustentada por uma força toda divina que a mantém acima de qualquer outro Bispo do Oriente e do Ocidente, significando uma profunda realidade teológica: de um lado, a proximidade entre as estátuas dos Bispos e a Cátedra recorda a coerência entre o pensamento teológico dos Padres e a doutrina dos Apóstolos; de outro, a elevação do trono realça o primado de Pedro.

Misteriosa participação no “poder das chaves”

Não quer isto dizer que o Papa despreza a cooperação e o concurso da Igreja – isto é, dos concílios, dos Cardeais, dos Bispos, dos teólogos, etc. – no exercício do seu Magistério. Ao invés disso, tendo como certo que Cristo dotou os Pastores da Igreja do carisma da infalibilidade em matéria de Fé e de costumes (cf.Catecismo da Igreja Católica, n.890), é legítimo perguntar se não se pode razoavelmente – salvaguardando a integridade do “primado da Cátedra de Pedro” no âmbito da comunhão entre todas as Igrejas, como recorda o Concílio Vaticano II (cf. Lumen gentium, n.13) – pensar numa misteriosa participação no “poder das chaves” do Sucessor de Pedro, das pessoas revestidas de um particular carisma profético em qualquer época histórica. Os Padres da Igreja, por exemplo, foram homens providenciais, cada qual a seu tempo, e apoiaram a Cátedra de Pedro a tal ponto que seu papel nos concílios ou circunstâncias históricas significou “ligar ou desligar na terra” o que depois foi “ligado ou desligado nos Céus”.

Pensamos também em São Bernardo, que – enquanto sustentava firmemente ser a infalibilidade privilégio da “Sé Apostólica” – não poupou repreensões ao Papa Eugênio III, outrora seu discípulo em Claraval, a ponto de adverti-lo a respeito das “malditas ocupações” relativas ao governo da Igreja (cf. De consideratione, II, 3), que prejudicavam a necessária contemplação e o recolhimento interior, levando ao arrependimento o Romano Pontífice. Não é isto uma certa participação no poder de “ligar e desligar”? O mesmo podemos perguntar sobre o papel de tantos santos e obras providenciais ao longo da história da Igreja. Se professaram a autêntica Fé como São Pedro, sobretudo nos momentos nos quais a Igreja encontrava- se “entre as conturbações do mundo” (Oração Coleta), seria despropositado perguntar se Deus não confiou também a eles, num certo sentido “místico”, “as chaves do Reino dos Céus”, precisamente para o bem das almas e da sua Igreja?

Uma coisa é certa: “Deus é Senhor do mundo e da História” (Catecismo da Igreja Católica, n.314), e Ele não abandona Sua Esposa Mística. Se cá ou acolá a Igreja se encontra sacudida pelas ondas do mundo, isto não escapa à sua providência. A profissão de Fé do Sucessor de Pedro continuará a reboar nos céus da História até o fim do mundo: “Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo” (Mt 16, 16). Entretanto, como é belo pensar que ao longo dos séculos a voz de Pedro está permanentemente secundada pelo eco fidelíssimo da voz dos homens e obras providenciais suscitados por Deus para remediar os males de cada época!

O desenvolvimento dos Arautos superou todas as expectativas

Mas a data de 22 de fevereiro é muito significativa também porque no ano de 2001 tivemos a alegria de celebrar na Catedral de Madri, na qualidade de Núncio Apostólico, uma Santa Missa em ação de graças pelo reconhecimento pontifício da Associação Internacional Privada de Fiéis Arautos do Evangelho, precisamente um exemplo do “poder de ligar e desligar”. Desde então, transcorreram nove anos, nos quais o desenvolvimento dessa Instituição superou todas as expectativas.

Trata-se de um crescimento – que inclui a ordenação dos ministros sagrados e por muitos é atestado, não só em nível quantitativo de membros e de obras, mas, sobretudo em nível qualitativo – assinalado por um desejo cada vez mais profundo de contínua fidelidade ao Santo Padre, de terna devoção a Nossa Senhora, de assídua companhia ao Santíssimo Sacramento exposto para adoração perpétua em tantas de vossas casas.

A dimensão acadêmica ampliou-se com a multiplicação dos Arautos estudantes de licenciatura e de doutorado nos mais renomados ateneus da Igreja, em Roma e alhures. O próprio fundador defendeu recentemente sua tese de doutorado em Direito Canônico na Pontifícia Universidade São Tomás de Aquino (o Angelicum), com a singularidade de ser a primeira vez que um fundador faz uma dissertação referente à sua própria fundação. O projeto de universidade dos Arautos do Evangelho já é, de fato, um broto que cada vez mais se aproxima de fulgurante realização.

As técnicas de evangelização desenvolveram- se de modo extraordinário, como no caso das Missões Marianas ou do Apostolado do Oratório, realizadas inclusive em Roma por tantos cooperadores dos Arautos, aqui presentes, como em numerosos outros países. Neste sentido, a revista Arautos do Evangelho (publicada em quatro línguas), a presença do Movimento na internet e as transmissões televisivas de sua própria produção dão uma ideia do resultado alcançado.

No momento, a construção de novas casas, palácios, edifícios e igrejas, que enchem de admiração pela sua beleza, assim como as cerimônias, litúrgicas ou não, que nelas se realizam, de acordo com o carisma – sobretudo o seminário em São Paulo, Brasil, com a sua igreja dedicada pelo Cardeal Franc Rodé, e também a Casa Generalícia da Sociedade de Vida Apostólica feminina – a construção de tudo isso, dizíamos, por mais rápido que se faça, nunca consegue satisfazer as reais necessidades de espaço.

Tudo isso nunca teria sido possível sem um concurso muito especial da graça divina. Contemplação e ação se entrelaçam assim harmonicamente no interior de uma séria vida comunitária pervadida de oração e cerimonial, que desperta o enlevo e o fascínio pela vida consagrada, a começar por quem recebeu de Deus o chamado para dela fazer parte.

Por isso, a rigorosa seleção da grande quantidade de vocações que batem à vossa porta, e a exigência da perfeição em

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“A rigorosa seleção de grande quantidade de vocações
que batem à vossa porta, e a exigência da perfeição
em tudo,  constituem  seguramente um dos
segredos do sucesso eclesial do vosso Movimento”.

tudo, feita aos que já são membros da Associação, constituem seguramente um dos segredos do sucesso eclesial do vosso Movimento. Um êxito ratificado pelo reconhecimento pontifício, concedido há menos de um ano, das duas Sociedades de Vida Apostólica: Virgo Flos Carmeli, clerical, e Regina Virginum, feminina.

O fundador: instrumento escolhido pela Providência

Entretanto, basta conhecer o gênio do fundador para compreender que todas essas realizações são apenas o ponto inicial de um futuro muito promissor para a Igreja. Cada novo carisma é um dom extraordinário do Espírito Santo, dado não tanto para o bem do indivíduo quanto, ao contrário, para a edificação da Igreja e um anúncio mais eficaz do Evangelho; ou seja, para ligar e desligar, para abrir e fechar. As pessoas passam, mas os carismas permanecem, pois Deus os suscita para fazê-los frutificar e cumprir sua finalidade.

Diz o profeta Isaías: “Tal como a chuva e a neve caem do céu e para lá não volvem sem ter regado a terra, sem a ter fecundado, e feito germinar as plantas, sem dar o grão a semear e o pão a comer, assim acontece à palavra que minha boca profere: não volta sem ter produzido seu efeito, sem ter executado minha vontade e cumprido sua missão” (Is 55, 10-11).

A Mons. João Scognamiglio Clá Dias – que o Santo Padre Bento XVI, além de honrar com a medalha Pro Ecclesia et Pontifice, nomeou Cônego Honorário da Basílica Papal de Santa Maria Maior – podem aplicar-se, portanto, mutatis mutandis, como instrumento escolhido pela Providência para levar a cabo a sua obra, as palavras do mesmo profeta: “Porei sobre seus ombros a chave da casa de Davi; se ele abrir, ninguém fechará, se fechar, ninguém abrirá” (Is 22, 22).

De vós muito espera a Igreja

Caros Arautos do Evangelho, estamos na Quaresma. Aquele que ocupa hoje a Cátedra de Pedro dizia- nos na audiência geral desta Quarta-Feira de Cinzas que “conversão é avançar contra a corrente” e deixar-se transformar pelo amor de Cristo. Não tenhais medo de avançar contra a corrente, ainda que a alguns possa parecer que “a Igreja se abala” (Oração Coleta). Ao invés, digamos com São Paulo: “Agora é o tempo favorável, agora é o dia da salvação” (II Cor 6, 2), como lemos na liturgia da Quarta-Feira de Cinzas. Este é o momento reservado pela Divina Providência para este novo carisma. De vós muito espera a Igreja, porque disto ela precisa. Avante, Arautos, avante!

Por isso, para podermos estar à altura da nossa missão, entreguemo-nos de todo coração Àquela que é por excelência a chave que abre todas as portas, especialmente a do Céu: Janua Cæli, ora pro nobis! ²

(Homilia da Missa celebrada na Igreja de San Benedetto in Piscinula, Roma, em 22 de fevereiro de 2010, festa da Cátedra de Pedro – Tradução: Arautos do Evangelho)

(Revista Arautos do Evangelho, Abril/2010, n. 100, p. 36 à 39)

 
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