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Artigo Sétimo: O Trabalho e os Salários
 
AUTOR: PAPAS
 
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I. A NATUREZA DO TRABALHO

251. A Igreja vai encontrar logo nas primeiras páginas do Livro do Gênesis a fonte dessa sua convicção, de que o trabalho constitui uma dimensão fundamental da existência humana sobre a terra. A análise desses textos torna-nos cônscios deste fato: de neles-por vezes mediante um modo arcaico de manifestar o pensamento-terem sido expressas as verdades fundamentais pelo que diz respeito ao homem, já no contexto do mistério da Criação. Estas verdades são as que decidem do homem, desde o princípio, e que, ao mesmo tempo, traçam as grandes linhas da sua existência sobre a terra, quer no estado de justiça original, quer mesmo depois da ruptura, determinada pelo pecado, da aliança original do Criador com a criação no homem. Quando este, criado “à imagem de Deus (…) varão e mulher”, ouve as palavras “Proliferai e multiplicai-vos enchei a terra e submetei- a”(cf. Gn 1, 27-28), mesmo que estas palavras não se refiram direta e explicitamente ao trabalho, indiretamente já lho indicam, e isso fora de quaisquer dúvidas, como uma atividade a desempenhar no mundo. Mais ainda, elas patenteiam a mesma essência mais profunda do trabalho. O homem é imagem de Deus, além do mais, pelo mandato recebido do seu Criador de submeter, de dominar a terra. No desempenho de tal mandato, o homem, todo e qualquer ser humano, reflete a própria ação do Criador do universo. O trabalho entendido como uma atividade “transitiva”, quer dizer, uma atividade de modo tal que, iniciando-se no sujeito humano, se endereça para um objeto exterior, pressupõe um específico domínio do homem sobre a “terra”; e, por sua vez, confirma e desenvolve um tal domínio. É claro que sob a designação “terra”, de que fala o texto bíblico, deve entender-se primeiro que tudo aquela parcela do universo visível em que o homem habita; por extensão, porém, pode entender- se todo o mundo visível, na medida em que este se encontra dentro do raio de influência do homem e da sua procura de prover às próprias necessidades. A expressão “submeter a terra”tem um alcance imenso. Ela indica todos os recursos que a mesma terra (e indiretamente o mundo visível) tem escondidos em si e que, mediante a atividade consciente do homem, podem ser descobertas e oportunamente utilizadas por ele. Assim, tais palavras, postas logo ao princípio da Bíblia, jamais cessam de ter atualidade. Elas abarcam igualmente todas as épocas passadas da civilização e da economia, bem como toda a realidade contemporânea, e mesmo as futuras fases do progresso, as quais, em certa medida, talvez se estejam já a delinear, mas em grande parte permanecem ainda para o homem algo quase desconhecido e recôndito. (Laborem Exercens, n. 4)

252. No nosso tempo, torna-se cada vez mais relevante o papel do trabalho humano, como fator produtivo das riquezas espirituais e materiais; aparece, além disso, evidente como o trabalho de um homem se cruza naturalmente com o de outros homens. Hoje mais do que nunca, trabalhar é um trabalhar com os outros e um trabalhar para os outros: torna-se cada vez mais um fazer qualquer coisa para alguém. O trabalho é tanto mais fecundo e produtivo, quanto mais o homem é capaz de conhecer as potencialidades criativas da terra e de ler profundamente as necessidades do outro homem, para o qual é feito o trabalho. (Centesimus Annus, n. 31)

253. Nos desígnios de Deus, cada homem é chamado a desenvolver-se, porque toda a vida é vocação. É dado a todos, em germe, desde o nascimento, um conjunto de aptidões e de qualidades para as fazer render: desenvolvê-las será fruto da educação recebida do meio ambiente e do esforço pessoal, e permitirá a cada um orientar-se para o destino que lhe propõe o Criador. Dotado de inteligência e de liberdade, é cada um responsável tanto pelo seu crescimento como pela sua salvação. Ajudado, por vezes constrangido, por aqueles que o educam e rodeiam, cada um, sejam quais forem as influências que sobre ele se exerçam, permanece o artífice principal do seu êxito ou do seu fracasso: apenas com o esforço da inteligência e da vontade, pode cada homem crescer em humanidade, valer mais, ser mais. (Populorum Progressio, n. 15)

254. O trabalho humano procede imediatamente das pessoas criadas à imagem de Deus, e chamadas a prolongar, umas com as outras, a obra da criação dominando a terra. O trabalho é, pois, um dever: “Quem não quer trabalhar, também não há comer”(2 Ts 3, 10)! O trabalho honra os dons do Criador e os talentos recebidos. Também pode ser redentor. Suportando a pena do trabalho unido a Jesus, o artesão de Nazaré e crucificado no Calvário, o homem colabora de certa maneira com o Filho de Deus na sua obra redentora. Mostra-se discípulo de Cristo carregando a cruz, cada dia, na atividade que é chamado a realizar. O trabalho pode ser um meio de santificação e uma animação das realidades terrestres no Espírito de Cristo. (Catecismo da Igreja Católica, n. 2427)

255. Para os fiéis é pacífico que a atividade humana individual e coletiva, ou aquele empenho gigantesco no qual os homens se esforçam no decorrer dos séculos para melhorar as suas condições de vida, considerado em si mesmo, corresponde ao plano de Deus. Com efeito, o homem, criado à imagem de Deus, recebeu a missão de submeter a terra com tudo o que nela existe, de governar o mundo com justiça e santidade e, reconhecendo a Deus como Criador de tudo, orientar para Ele o seu ser e tudo o mais, de maneira que, com sua submissão de todas as coisas ao homem, o nome de Deus seja glorificado em toda a terra. (Gaudium et Spes, n. 34)

256. O homem deve submeter a terra, deve dominá-la, porque, como “imagem de Deus”, é uma pessoa; isto é, um ser dotado de subjetividade, capaz de agir de maneira programada e racional, capaz de decidir de si mesmo e tendente a realizar-se a si mesmo. É como pessoa, pois, que o homem é sujeito do trabalho. É como pessoa que ele trabalha e realiza diversas ações que fazem parte do processo do trabalho; estas, independentemente do seu conteúdo objetivo, devem servir todas para a realização da sua humanidade e para o cum- primento da vocação a ser pessoa, que lhe é própria em razão da sua mesma humanidade. (Laborem Exercens, n. 6)

257. O homem deve trabalhar, quer pelo fato de o Criador lhe ter ordenado, quer pelo fato da sua mesma humanidade, cuja subsistência e desenvolvimento exigem o trabalho. O homem deve trabalhar por um motivo de consideração pelo próximo, especialmente consideração pela própria família, mas também pela sociedade de que faz parte, pela nação de que é filho ou filha, e pela inteira família humana de que é membro, sendo como é herdeiro do trabalho de gerações e, ao mesmo tempo, co-artífice do futuro daqueles que virão depois dele no suceder-se da história. Tudo isto, pois, constitui a obrigação moral do trabalho, entendido na sua acepção mais ampla. Quando for preciso considerar os direitos morais de cada um dos homens pelo que se refere ao trabalho, direitos correspondentes à dita obrigação, impõe-se ter sempre diante dos olhos este amplo círculo de pontos de referência, em cujo centro se situa o trabalho de todos e cada um dos sujeitos que trabalham. (Laborem Exercens, n. 16)

II. JUSTOS SALÁRIOS E COMPENSAÇÕES

258. Mas entre os deveres principais do patrão é necessário colocar em primeiro lugar o de dar a cada um o salário que convém. Certamente, para fixar a justa medida do salário, há numerosos pontos de vista a considerar. De uma maneira geral, recordem-se o rico e o patrão que explorar a pobreza e a miséria, e especular a indigência, são coisas igualmente reprovadas pelas leis divinas e humanas; que cometeria um crime de clamar vingança ao céu quem a qualquer preço defraudasse dos seus labores: “Eis que o salário, que tendes extorquido por fraude aos vossos operários, clama por vós; e o seu clamor subiu até aos ouvidos do Deus dos Exércitos”(Tg 5, 4). Enfim, todos os ricos devem precaver-se religiosamente de todo o ato violento, de toda a fraude, de toda a manobra usurária cuja natureza seja atentar contra a economia do pobre, e isto mais ainda porque este é menos apto para se defender e porque os seus haveres, por serem de mínima importância, revestem um carácter mais sagrado. A obediência a estas leis-perguntamos-não bastam por si só para fazer cessar todo o antagonismo e lhe suprimir as causas? (Rerum Novarum, n. 13)

259. É preciso atendem também ao empresário e à empresa no determinar a importância dos salários; seria injustiça exigir salários elevados, que eles não pudessem pagar sem se arruinarem e consigo arruinarem os operários. Mas, se a deficiência dos lucros dependesse da negligência, inércia ou descuido em procurar o progresso técnico e econômico, não seria essa uma causa justa para cercear a paga aos operários. Se, porém, a causa da empresa não render quanto basta para retribuir aos operários equitativamente, são contribuições injustas, ou o ver-se forçada a vender os artefatos por um preço inferior ao justo, os que assim a vexam tornam-se réus de culpa grave, pois que privam do justo salário os trabalhadores, que forçados pela necessidade se vêem obrigados a aceitar uma paga inferior à devida. (Quadragesimo Anno, n. 72)

260. Na agricultura pode ser indispensável estabelecer dois sistemas diferentes de seguros: um, para os produtos agrícolas; e outro, para os agricultores e as suas famílias. Pelo simples fato de o rendimento agrícola per capite ser geralmente inferior ao dos setores da indústria e dos serviços públicos, não seria conforme à justiça social e à equidade estabelecer sistemas de seguros sociais ou de previdência social em que os lavradores e as respectivas famílias se vissem notavelmente menos bem tratados que os setores da indústria e dos serviços. Julgamos, porém, que a política social deve ter como objetivo proporcionar aos cidadãos um regime de seguro que não apresente diferenças notáveis, qualquer que seja o setor econômico em que trabalham ou de cujos rendimentos vivem. (Mater et Magistra, n. 134)

261. Ao lado do salário, entram em jogo aqui neste ponto ainda outras subvenções sociais que têm como finalidade assegurar a vida e a saúde dos trabalhadores e a das suas famílias. As despesas relacionadas com as necessidades de cuidar da saúde, especialmente em caso de acidentes no trabalho, exigem que o trabalhador tenha facilmente acesso à assistência médica; e isto, na medida do possível, a preços reduzidos ou mesmo gratuitamente. Um outro setor respeitante às subvenções é o daquilo que anda ligado ao direito ao repouso; trata-se aqui, antes de mais nada, do repouso semanal regular, compreendendo pelo menos o domingo, e além disso de um repouso mais longo, as chamadas férias, uma vez por ano ou, eventualmente, algumas vezes durante o ano, divididas por períodos mais breves. E trata-se, ainda, do direito à pensão de aposentadoria ou reforma, ao seguro para a velhice e ao seguro para os casos de acidentes de trabalho. E no âmbito destes direitos principais desdobra-se todo um sistema de direitos particulares: juntamente com a remuneração do trabalho, eles são o índice de uma correta ordenação das relações entre o trabalhador e o dador de trabalho. Entre estes direitos, há que ter sempre presente o direito a dispor de ambientes de trabalho e de processos de laboração que não causem dano à saúde física dos trabalhadores nem lesem a sua integridade moral. (Laborem Exercens, n. 19)

262. Primeiro, ao operário deve dar-se uma remuneração que baste para o sustento seu e da sua família. É justo que toda a família, na medida das suas forças, contribua para o seu mantimento, como vemos que fazem as famílias dos negociantes. Mas é uma iniquidade abusar da idade infantil ou da fraqueza feminina. As mães de família devem trabalhar em casa ou na suas vizinhança, dando-se aos cuidados domésticos. É um péssimo abuso, que deve a todo o custo cessar, o de as obrigar, por causa da mesquinhez do salário paterno, a ganharem a vida fora das paredes domésticas, descurando os cuidados e deveres próprios, e sobretudo a educação dos filhos. Deve, pois, procurar-se com todas as veras, que os pais de famílias recebam uma paga suficientemente abundante para cobrir as despesas ordinárias da casa. E, se as atuais condições não permitem que isto se possa sempre efetuar, exige contudo a justiça social que se introduzam quanto antes as necessárias reformas, para que possa assegurar-se tal salário a todo o operário adulto. Não será, pois, fora de propósito, louvar todos aqueles que com prudente e utilíssima iniciativa tem já experimentado vários métodos para tornar o salário proporcionado aos encargos domésticos, de tal modo que, aumentando estes, cresça também aquele; antes seja tal, que possa bastar para qualquer necessidade extraordinária e imprevista. (Quadragesimo Anno, n. 71)

263. O salário justo é o fruto legítimo do trabalho. Recusá-lo ou retê-lo pode constituir uma grave injustiça. Para se avaliar a remuneração eqüitativa, é preciso levar em conta ao mesmo tempo as necessidades e as contribuições de cada um. “Levando-se em consideração as funções e a produtividade, a situação da empresa e o bem comum, a remuneração do trabalho deve ser garantir ao homem e aos seus familiares os recursos necessários a uma vida digna no plano material, cultural e espiritual”(GS, n. 67). O acordo das partes não é suficiente par justificar moralmente o montante do salário. (Catecismo da Igreja Católica, n. 2434)

264. Em fim, o trabalho deve ser remunerado de tal modo que se ofereça ao homem a possibilidade de manter dignamente a sua vida e a dos seus, sob o aspecto material, social, cultural e espiritual, considerando-se a tarefa e a produção de cada um, assim como as condições da empresa e o bem comum. (Gaudium et Spes, n. 67)

265. Passemos agora para outro ponto da questão e de não menor importância que, para evitar os extremos, exige uma definição específica. Referimo-nos à fixação do salário. Uma vez livremente aceite o salário por uma e outra parte, assim se raciocina, o patrão cumpre todos os seus compromissos desde que o pague, e não é obrigado a mais nada. Em tal hipótese, a justiça só seria lesada se ele se recusasse a saldar a dívida ou o operário a concluir todo o seu trabalho e a satisfazer as condições do mesmo; e neste único caso, com exclusão de qualquer outro, o poder público teria que intervir para fazer valer o direito de ambas as partes. (Rerum Novarum, n. 29)

266. Façam, pois, o patrão e o operário todas as convenções que lhes aprouver, cheguem inclusivamente a concordar a cifra do salário: acima da sua livre vontade está uma lei de justiça natural, mais elevada e mais antiga, a saber, que o salário não deve ser insuficiente para assegurar a substância do operário sóbrio e honrado. Mas se, constrangido pela necessidade ou forçado pelo receio dum mal maior, aceita condições duras que por outro lado lhe não seria permitido recusar porque lhe são impostas pelo patrão ou por quem faz a oferta do trabalho, então isto significado sofrer uma violência contra a qual a justiça protesta. (Rerum Novarum, n. 29)

267. Além disso, a sociedade e o Estado devem assegurar níveis salariais adequados ao sustento do trabalhador e da sua família, inclusive com uma certa margem de poupança. Isto exige esforços para dar aos trabalhadores conhecimentos e comportamentos mel- hores, capazes de tornar o seu trabalho mais qualificado e produtivo; mas requer também uma vigilância assídua e adequadas medidas legislativas para truncar fenômenos vergonhosos de desfrutação, com prejuízo sobretudo dos trabalhadores mais débeis, imigrantes ou marginalizados. Decisiva, neste setor, é a função dos sindicatos, que ajustam os mínimos salariais e as condições de trabalho. (Centesimus Annus, n. 15)

III. O LUGAR DE TRABALHO

268. Ambivalente, sem dúvida, pois promete dinheiro, gozo e poder, convidando uns ao egoísmo e outros à revolta, o trabalho também desenvolve a consciência profissional, o sentido do dever e a caridade para com o próximo. Mais científico e melhor organizado, corre o perigo de desumanizar o seu executor, tornando-o escravo, pois o trabalho só é humano na medida em que permanecer inteligente e livre. João XXIII lembrou a urgência de restituir ao trabalhador a sua dignidade, fazendo-o participar realmente na obra comum: “deve- se tender a que a empresa se transforme numa comunidade de pessoas, nas relações, funções e situações de todo o seu pessoal”(MM, n. 53). O trabalho dos homens e, com maior razão o dos cristãos, tem ainda a missão de colaborar na criação do mundo sobrenatural, inacabado até chegarmos todos a construir esse Homem perfeito de que fala São Paulo, “que realiza a plenitude de Cristo”(Ef 4, 13). (Populorum Progressio, n. 28)

269. Ora, isto exige que as relações entre empresários e dirigentes, por um lado, e trabalhadores por outro, sejam caracterizadas pelo respeito, estima e compreensão, pela colaboração leal e cativa, e pelo amor à obra comum; e que o trabalho seja considerado e vivido por todos os membros da empresa, não só como fonte de lucros, mas também como cumprimento dum dever e prestação dum serviço. Isto supõe também poderem os trabalhadores fazer ouvir a sua voz e contribuir para o bom funcionamento e o progresso da empresa. O nosso Predecessor Pio XII observava: “A função econômica e social, que todo o homem aspira a desempenhar, exige que a atividade de cada um não se encontre submetida totalmente à vontade alheia”(Alocução de 8.X.1956). Uma concepção humana da empresa deve sem dúvida salvaguardar a autoridade e a eficiência necessárias da unidade de direção; mas não pode reduzir os colaboradores de todos os dias à condição de simples e silenciosos executores, sem qualquer possibilidade de fazerem valer a própria experiência, completamente passivos quanto às decisões que os dirigem. (Mater et Magistra, n. 92)

270. Por último, é necessário garantir o respeito de horários “humanos”de trabalho e de repouso, bem como o direito de exprimir a própria personalidade no lugar de trabalho, sem serem violados seja de que modo for na própria consciência ou dignidade. Faz-se apelo de novo aqui ao papel dos sindicatos não só como instrumentos de contratação, mas também como “lugares”de expressão da personalidade dos trabalhadores: aqueles servem para o desen- volvimento de uma autêntica cultura do trabalho e ajudam os trabalhadores a participarem de modo plenamente humano na vida da empresa. (Centesimus Annus, n. 15)

271. Quanto aos ricos e aos patrões, não devem tratar o operário como escravo, mas respeitar nele a dignidade do homem, realçada ainda pela do cristão. O trabalho do corpo, pelo testemunho comum da razão e da filosofia cristã, longe de ser um objeto de vergonha faz honra ao homem, porque lhe oferece um nobre meio de sustentar a sua vida. O que é vergonhoso e desumano é usar dos homens como de vis instrumentos de lucro, e não os estimar senão na proporção do vigor dos seus braços. O cristianismo, além disso, prescreve que se tenham em consideração os interesses espirituais do operário e o bem da sua alma. Aos patrões compete velar para que a isto seja dada plena satisfação, que o operário não seja entregue à sedução e às solicitações corruptoras, que nada venha debilitar o espírito de família nem os hábitos de economia. Proíbe também aos patrões que imponham aos seus subordinados um trabalho superior às suas forças ou em desarmonia com a sua idade ou o seu sexo. (Rerum Novarum, n. 13)

272. Portanto a Igreja pode e deve ajudar a sociedade atual pedindo insistentemente que seja reconhecido por todos e honrado no seu insubstituível valor o trabalho da mulher em casa. Isto é de importância particular na obra educativa: de fato, elimina-se a própria raiz da possível discriminação entre os diversos trabalhos e profissões, logo que se veja claramente que todos, em cada campo, se empenham com idêntico direito e com igual responsabilidade. Deste modo, aparecerá mais esplendente a imagem de Deus no homem e na mulher. Se há que reconhecer às mulheres, como aos homens, o direito de ascender às diversas tarefas públicas, a sociedade deve estruturar- se, contudo, de maneira tal que as esposas e as mães não sejam de fato constrangidas a trabalhar fora de casa e que a família possa digna- mente viver e prosperar, mesmo quando elas se dedicam totalmente ao próprio lar. Deve além disso superar-se a mentalidade segundo a qual a honra da mulher deriva mais do trabalho externo do que da atividade familiar. Mas isto exige que se estime e se ame verdadeiramente a mulher com todo o respeito pela sua dignidade pessoal, e que a socie- dade crie e desenvolva as devidas condições para o trabalho doméstico. (Familiaris Consortio, n. 23)

273. De igual modo, se por vezes reina uma mística exagerada do trabalho, não resta dúvida de que este é querido e abençoado por Deus. Criado à sua imagem, “o homem deve cooperar com o Criador no aperfeiçoamento da criação e imprimir, por sua vez, na terra o cunho espiritual que ele próprio recebeu”(Paulo VI, Carta por ocasião da 51 a Sessão das Semanas Sociais Francesas). Deus, que dotou o homem de inteligência, de imaginação e de sensibilidade, deu-lhe assim o meio para completar, de certo modo, a sua obra: seja artista ou artífice, empreendedor, operário ou camponês, todo o trabalhador é um criador. Debruçado sobre uma matéria que lhe resiste, o trabalhador imprime-lhe o seu cunho, enquanto para si adquire tenacidade, engenho e espírito de invenção. Mais ainda, vivido em comum, na esperança, no sofrimento, na aspiração e na alegria partilhada, o trabalho une as vontades, aproxima os espíritos e solda os corações: realizando-o, os homens descobrem que são irmãos. (Populorum Progressio, n. 27)

IV. DESEMPREGO

274. Ao considerar os direitos do homem do trabalho em relação com este “dador de trabalho indireto”, quer dizer, em relação com o conjunto das instituições que, a nível nacional e a nível internacional, são responsáveis por toda a orientação da política do trabalho, deve voltar-se a atenção antes de mais nada para um problema fundamental. Trata-se do problema de ter trabalho ou, por outras palavras, do problema de encontrar um emprego adaptado para todos aqueles sujeitos que são capazes de o ter. O contrário de uma situação justa e correta neste campo é o desemprego, isto é, a falta de lugares de trabalho para as pessoas que são capazes de trabalhar. E pode tratar- se de falta de trabalho em geral, ou então de falta de emprego em determinados setores do trabalho. O papel das aludidas instituições, que aqui são compreendidas sob a denominação de dador de trabalho indireto, é o de atuar contra o desemprego, que é sempre um mal e, quando chega a atingir determinadas dimensões, pode tornar-se uma verdadeira calamidade social. E o desemprego torna-se um problema particularmente doloroso quando são atingidos sobretudo os jovens que, depois de se terem preparado por meio de uma formação cultural, técnica e profissional apropriada, não conseguem um emprego e, com mágoa, vêem frustradas a sua vontade sincera de trabalhar e a sua disponibilidade para assumir a própria responsabilidade no desen- volvimento econômico e social da comunidade. A obrigação de conceder fundos em favor dos desempregados, quer dizer, o dever de assegurar as subvenções indispensáveis para a subsistência dos desempregados e das suas famílias, é um dever que deriva do princípio fundamental da ordem moral neste campo, isto é, do princípio do uso comum dos bens ou, para exprimir o mesmo de maneira ainda mais simples, do direito à vida e à subsistência. (Laborem Exercens, n. 18)

275. O acesso ao trabalho e à profissão deve estar aberto a todos sem discriminação injusta: homens e mulheres, normais e excepcionais ou deficientes, autóctones e migrantes. Em função das circunstâncias, também a sociedade deve ajudar os cidadãos a con- seguir um trabalho e um emprego. (Catecismo da Igreja Católica, n. 2433)

276. E, ao nos dispormos a tratar dos direitos do homem, adver- timos, de início, que o ser humano tem direito à existência, à integridade física, aos recursos correspondentes a um digno padrão de vida: tais são especialmente o alimento, o vestuário, a moradia, o repouso, a assistência sanitária, os serviços sociais indispensáveis. Segue-se daí que a pessoa tem também o direito de ser amparada em caso de doença, de invalidez, de viuvez, de velhice, de desemprego forçado, e em qualquer outro caso de privação dos meios de sustento por circunstâncias independentes da sua vontade. (Pacem in Terris, n. 11)

V. SINDICATOS

277. Da sociabilidade natural da pessoa humana provém o direito de reunião e de associação; bem como o de conferir às associações a forma que aos seus membros parecer mais idônea à finalidade em vista, e de agir dentro delas por conta própria e risco, conduzindo-as aos almejados fins. (Pacem in Terris, n. 23)

278. São, portanto, dignas dos maiores elogios as normas emanadas da autoridade de Leão XIII, que lograram derrubar tais obstáculos e desfazer tais suspeitas; mas tornaram-se ainda mais importantes, por terem exortado os operários cristãos a associar-se segundo os vários misteres, ensinando-lhes o meio de o conseguirem, e por terem ainda consolidado no caminho do dever muitos a quem as associações socialistas seduziam fortemente, apregoando-se a si mesmas únicas defensoras e propugnadoras dos humildes e oprimidos. Quanto à ereção destas associações, a Encíclica Rerum Novarum observa, muito a propósito, “que as corporações devem organizar-se e governar-se de modo que forneçam a cada um dos seus membros os meios mais fáceis e próprios para conseguirem o fim proposto, isto é: a maior abundância possível, para cada um, de bens do corpo, do espírito e da família”; porém, ” que sobretudo se deve ter em vista, como mais importante, a perfeição moral e religiosa; e que por ela se deve orientar todo o regulamento destas sociedades”(n. 53). Com efeito, “constituída assim a religião como fundamento de todas as leis sociais, não é difícil determinar as relações que devem existir entre os membros para que possam viver em paz e prosperar”(n. 54). (Quadragesimo Anno, nn. 31-32).

279. O trabalho muito prolongado e pesado e uma retribuição mesquinha, não poucas vezes dão aos operários ocasião para greves. É preciso que o Estado ponha cobro a esta desordem grave e freqüente, porque estas greves causam sano não só aos patrões e aos mesmos operários, mas também ao comércio e aos interesses comuns; e em razão das violências e tumultos, a que ordinariamente dão ocasião, põem muitas vezes em risco a tranqüilidade pública. O remédio, portanto, nesta parte, mais eficaz e salutar é prevenir o a mal com a autoridade das leis e impedir a explosão, removendo a tempo as causas de que se prevê que hão de nascer os conflitos entre operários e patrões. (Rerum Novarum, n. 24)

280. Na obra do desenvolvimento, o homem, que na família encontra o seu modo de vida primordial, é muitas vezes ajudado por organizações profissionais. Se a razão de ser destas organizações é promover os interesses dos seus membros, torna-se grande a sua responsabilidade perante a tarefa educativa que elas podem e devem realizar. Através das informações dadas e da formação que propõem, têm o poder de transmitir a todos o sentido do bem comum e das obrigações que ele impõe a cada homem. (Populorum Progressio, n. 38)

281. Com base em todos estes direitos, juntamente com a necessidade de os garantir por parte dos mesmos trabalhadores, surge ainda um outro direito: o direito de se associar, quer dizer, o direito de formar associações ou uniões, com a finalidade de defender os interesses vitais dos homens empregados nas diferentes profissões. Estas uniões têm o nome de sindicatos. Os interesses vitais dos homens do trabalho são até certo ponto comuns a todos; ao mesmo tempo, porém, cada espécie de trabalho, cada profissão, possui uma sua especificidade, que deveria encontrar nestas organizações de maneira particular o seu reflexo próprio. (Laborem Exercens, n. 20)

282. Entre os direitos fundamentais da pessoa humana deve-se enumerar o direito dos trabalhadores de fundarem livremente associações que possam representá-los de modo eficiente e contribuir para organizar a vida econômica na ordem reta, assim como o direito de participarem com liberdade nas atividades destas associações, sem perigo de represálias. Com esta participação organizada, juntamente com uma progressiva formação econômica-social, aumentará em todos, de dia para dia, a consciência de sua própria função e respon- sabilidade, pela qual eles são encaminhados, segundo as suas capacidades e aptidões pessoais, a se sentirem associados em todo o trabalho de desenvolvimento econômico-social e na realização do bem comum universal. (Gaudium et Spes, n. 68)

283. O Estado reconheceu juridicamente o “sindicato”, dando- lhe, porém, um caráter de monopólio, já que só ele, assim reconhecido, pode representar respectivamente operários e patrões, só ele pode concluir contratos e patos de trabalho. A inscrição no sindicato é facultativa, e só neste sentido se pode dizer que a organização sindical é livre, pois a quota sindical e certas taxas especiais são obrigatórias para todos os que pertencem a uma dada categoria, sejam eles operários ou patrões; como obrigatórios para todos são também os contratos de trabalho estipulados pelo sindicato jurídico. Verdade é que nas regiões oficias se declarou que o sindicato jurídico não exclui a existência de fato das associações profissionais. (Quadragesimo Anno, n. 92)

VI. GREVES

284. A greve é moralmente legítima quando se apresenta como um recurso inevitável, e mesmo necessário, em vista de um benefício proporcionado. Torna-se moralmente inaceitável quando é acompanhada de violências ou ainda quando se lhe atribuem objetivos não diretamente ligados às condições de trabalho ou contrários ao bem comum. (Catecismo da Igreja Católica, n. 2435)

285. Ao agirem em prol dos justos direitos dos seus membros, os sindicatos lançam mão também do método da “greve”, ou seja, da suspensão do trabalho, como de uma espécie de “ultimatum”dirigido aos órgãos competentes e, sobretudo, aos dadores de trabalho. É um modo de proceder que a doutrina social católica reconhece como legítimo, observadas as devidas condições e nos justos limites. Em relação a isto os trabalhadores deveriam ter assegurado o direito à greve, sem terem de sofrer sanções penais pessoais por nela participarem. Admitindo que se trata de um meio legítimo, deve simultaneamente relevar-se que a greve continua a ser, num certo sentido, um meio extremo. Não se pode abusar dele; e não se pode dele abusar especialmente para fazer o jogo da política. Além disso, não se pode esquecer nunca que, quando se trata de serviços essenciais para a vida da sociedade, estes devem ficar sempre assegurados, inclusive, se isso for necessário, mediante apropriadas medidas legais. O abuso da greve pode conduzir à paralisação da vida sócio-econômica; ora isto é contrário às exigências do bem comum da sociedade, o qual também corresponde à natureza, entendida retamente, do mesmo trabalho. (Laborem Exercens, n. 20)

286. Surgindo conflitos econômico-sociais, empreguem-se os esforços necessários para chegar a uma solução pacífica. Embora se deva recorrer sempre em primeiro lugar a um diálogo sincero entre as partes, a greve contudo, mesmo nas circunstâncias atuais, para a defesa dos próprios direitos e a realização das reivindicações justas dos trabalhadores, pode permanecer como recurso necessário, ainda que seja último continuar. Procurem-se porém, quanto antes, os caminhos da negociação e a retomada do diálogo em vista de um acordo. (Gaudium et Spes, n. 68)

 
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