Fale conosco
 
 
Receba nossos boletins
 
 
 
Artigos


Espiritualidade


O leproso agradecido
 
AUTOR: PE. ANTÔNIO GUERRA DE OLIVEIRA JÚNIOR, EP
 
Decrease Increase
Texto
Solo lectura
1
0
 
Difícil é ao homem suportar qualquer sofrimento. Por isso, agradecer a cura é comum. Haverá, contudo, quem louve a Deus pela doença?

Sempre foi a lepra considerada um paradigma de infelicidade em razão de suas terríveis e dramáticas consequências físicas e sociais. Por isso, causaram profunda impressão as curas dessa doença feitas pelo Divino Mestre ao longo de sua pregação.

No entanto, a saúde devolvida a esses infelizes simbolizava uma cura ainda mais preciosa: a da alma. Sem dúvida, a sofreguidão dos leprosos à procura da saúde era superada pelo divino desejo de lhes propiciar a salvação eterna.

Na conhecida cura dos dez leprosos em que apenas um, o samaritano, retornou para agradecer a Jesus, o Divino Mestre indagou-lhe: “Onde estão os outros nove?” (Lc 17, 17). De fato, todos foram miraculados. Contudo, somente um deles alcançou a verdadeira saúde: vendo seu corpo limpo, voltou, transbordante de gratidão, aos pés da Fonte da Vida e, por isso, foi o único a ouvir a alentadora sentença: “Levanta-te e vai, tua fé te salvou” (Lc 17, 19).

Visitando um leprosário do século XX

Dois mil anos se passaram, e ainda hoje é possível encontrar atitudes de gratidão belas como essa, e até, por certos aspectos, mais impressionantes…

Uma dupla de Arautos do Evangelho visitava, precisamente, um leprosário próximo a Belém do Pará. Apesar de a medicina contar na ­atualidade com a vacina contra a lepra, descoberta em 1987 pelo venezuelano Jacinto Convit García, não foi possível até o presente debelar por completo essa enfermidade.

Lá estavam os missionários acompanhando uma bela imagem de Nossa Senhora de Fátima, dispostos a semear nos corações desvalidos a mensagem de esperança legada por Cristo aos seus discípulos. Percorreram as instalações do hospital tomados de notável sentimento de compaixão diante do atroz sofrimento daqueles homens transformados em chagas vivas. Jaziam eles em seu leito de dor, exilados do convívio social naquela nova e pequena Molokai, e nossos missionários se sentiam outros Damião de Veuster.

“Deus é muito bom!”

Quando julgavam tudo ter visto, ainda lhes faltava a mais bela lição de conformidade com os misteriosos desígnios da Providência. A enfermeira que os acompanhava fez questão de parar para explicar-lhes quem os aguardava no último quarto do corredor: “Trata-se de um caso de lepra precoce. O enfermo que aqui se encontra teve de abandonar o seu pequeno mundo infantil quando mal começava a ter uso da razão, para se enclausurar nas paredes de um leprosário e ver o seu corpo desintegrar-se ao longo de quase setenta anos: já perdeu as pernas, faltam-lhe as mãos, quase não lhe resta nariz, não tem nenhum dente, ouve com dificuldade e mal enxerga”. Seria difícil acreditar na existência de um homem assim, caso ambos os religiosos não o tivessem visto.

“Adalúcio! Adalúcio! Nossa Senhora veio para visitá-lo!”, exclamou a enfermeira, falando ao ouvido do paciente, a fim de acordá-lo do seu adormecimento quase contínuo. O leproso entreabriu os olhos, deparando-se, em meio às brumas da semicegueira, com uma cena que se lhe afigurava como descida do Céu. Os dois missionários, então, lhe dirigiam palavras de consolo, quando foram interrompidos pela voz lenta e entrecortada de Adalúcio: “Deus é bom… Deus é bom… Deus é muito bom!”. Ficaram os arautos sem ter o que dizer diante dessa sublime reação.

Um hino dedicado aos amigos da Cruz

Se tivéssemos a oportunidade de percorrer as cidades modernas narrando este fato, talvez muitos pensariam: “Esse homem tinha o direito de reclamar de Deus!”. Entretanto, não foi esta a atitude de Adalúcio. Ele é, precisamente, o leproso que não foi curado, mas agradece e louva a Deus, e com mais de 70 anos de idade pratica ato tão heroico de louvor pelo fato de existir.

Adalúcio terminou os seus dias a carregar sobre o corpo a cruz da lepra. E tudo leva a crer que a alma deste pobre Lázaro do Pará, que em vida suportou com resignação a tragédia, foi reunir-se no Céu com todos os Bem-aventurados e receberá de volta o corpo, não mais macerado e leproso, mas íntegro e luminoso, no derradeiro dia da ressurreição da carne.

Mas, afinal de contas, o que agradecia Adalúcio? Exatamente não se sabe. Porém, a frase “Deus é muito bom!” nos recorda a pungente oração composta por um paraquedista francês, André Zirnheld, às vésperas da Segunda Guerra Mundial, letra que mais tarde foi adaptada a fim de se tornar um dos hinos da École Militaire Interarmes.

Parece um hino dedicado aos amigos da Cruz, tal como os descreve São Luís Maria Grignion de Montfort.1 A essas nobresalmas bem se aplica a divina promessa de Jesus: “Aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas aquele que
tiver sacrificado a sua vida por minha causa, recobrá-la-á” (Mt 16, 25)! ²

1 Este Santo francês, como se sabe, é autor da Lettre circulaire aux amis de la Croix (Carta circular aos amigos da Cruz).

Oração do paraquedista

Dirijo-me a Vós, meu Deus,
Pois Vós dais o que não se pode obter por si.
Dai-me, meu Deus, o que Vos resta.
Dai-me aquilo que ninguém Vos pede.
Não Vos peço o repouso,
Nem o sucesso, nem mesmo a saúde.
Tantos Vos pedem isto, meu Deus,
Que já não Vos deve sobrar para dar!
Dai-me, meu Deus, o que Vos resta.
Dai-me aquilo que todos recusam.
Quero a insegurança e a inquietação,
Quero a tormenta e a luta.
Dai-me isso, meu Deus, definitivamente.
Dai-me a certeza de que será a minha parte para sempre,
Pois nem sempre terei a coragem de pedi-lo.
Dai-me, Senhor, o que vos resta,
Dai-me aquilo que os outros não querem,
Mas dai-me também a coragem,
A força, e a fé!
Pois só Vós podeis dar
O que não se pode obter por si.

 
Comentários