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Catecismo


“Como Eu vos tenho amado”
 
AUTOR: IR. EMELLY TAINARA SCHNORR, EP
 
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Quando o vício e o pecado reinam sobre o mundo, como funestas decorrências do egoísmo, a humanidade necessita de uma renovação que lhe mostre o verdadeiro sentido de sua existência.

Ao contemplarmos nas Sagradas Escrituras os primórdios da humanidade, vemos como os acontecimentos parecem tomar rumos inesperados.

Expulsos do Paraíso depois da queda original, Adão e Eva tiveram dois filhos: Caim e Abel (cf. Gn 4, 1-2). Ambos cresceram sob o olhar atento e os cuidados dos pais, que se esmeravam em incutir-lhes na alma os ensinamentos recolhidos no Jardim do Éden. No entanto, Adão e Eva espantavam-se com a diferença entre eles: o mais velho era “violento, […] orgulhoso e vingativo”, enquanto o mais novo era “doce e pacífico, […] piedoso e justo”.1

Caim mata o seu irmão Abel..jpg
Com a morte de Abel iniciava-se o
horrendo caminho que boa parte dos
homens trilharia ao longo dos tempos

Caim mata o seu irmão Abel
Catedral de Sligo (Irlanda)

Com o passar do tempo, o primogênito se tornou agricultor e o segundo, pastor de ovelhas. Ao apresentar seus sacrifícios a Deus, o inocente Abel ofertava as primícias de seus rebanhos e a carne mais suculenta das vítimas, merecendo o agrado do Criador. Caim, contudo, oferecia os frutos da terra que não lhe faziam falta, e estes eram rejeitados pelo Senhor. Por isso, inflamou-se ele de cólera e inveja contra seu irmão, culminando no primeiro fratricídio da História (cf. Gn 4, 3-8).

Funestas decorrências do egoísmo

O que o teria levado a tornar-se um assassino?

Caim se mantinha, na aparência, cumpridor dos seus horários e deveres. No interior, porém, estava cheio de egoísmo. Buscava chamar a atenção de Eva e procurava ouvir do pai: “Que bom filho eu tenho!”. “Queria o elogio, o incenso, o consolo de ser benquisto e bem-visto. Mas, no fundo, ele fazia todas as coisas por amor-próprio”,2 e foi o que acabou por levá-lo a matar o irmão. “Egoísta, filho do pecado e levando as marcas do pecado dentro da alma, ele era um homem que fazia as coisas por puro interesse”.3

Ora, como o próprio Nosso Senhor declarou a Santa Catarina de Sena, tal defeito tem consequências funestas: “O egoísmo, que é a negação do amor pelo próximo, constitui-se como razão e fundamento de todo mal. Ele é a raiz dos escândalos, do ódio, da maldade, dos prejuízos causados aos outros”.4

Com a morte de Abel iniciava-se o horrendo caminho que boa parte dos homens trilharia ao longo dos tempos. Basta corrermos os olhos pelas páginas bíblicas para nelas encontrarmos inúmeros exemplos de egolatria e desprezo pelo próximo. No decorrer dos séculos, os homens se afastaram da virtude, caindo nas piores selvagerias e crueldades.
Antes de nascer Jesus, o vício e o pecado reinavam sobre o mundo e a humanidade necessitava de uma renovação que lhe desse sentido à existência.

Renovação da Terra e divisão da História

Chegada, por fim, “a plenitude dos tempos” (Gal 4, 4), numa fria e rústica gruta junto à cidade de Belém nascia um Menino, trazendo a solução para todos os nossos males. Ele veio não só para reparar o pecado e curar as mazelas que dele decorrem, como também para elevar os homens a um novo grau de santidade, inimaginável na Antiga Aliança.

É o que afirma Mons. João Scognamiglio Clá Dias em um dos seus célebres comentários ao Evangelho: “Já em seu nascimento, numa singela manjedoura, aquele Divino Infante reparava os delírios de glória egoísta sofregamente procurada pelos pecadores. Ele Se encarnava para fazer a vontade do Pai e, assim, dar-nos o perfeitíssimo exemplo de vida”.5

Emanavam d’Ele afabilidade, doçura, um desejo enorme de fazer o bem, uma sede ardente de perdoar, atraindo todos a Si e incutindo-lhes confiança. Cristo ia promovendo uma renovação dos costumes e modos de ser dos homens de todas as condições, de todos os tempos e nações: “Nosso Senhor Jesus Cristo […] pregou no mundo o amor ao próximo. E, sobre esta base inteiramente nova, Ele renovou a Terra, a tal ponto que a História ficou dividida em dois grandes períodos: a era anterior ao nascimento d’Ele e a Era Cristã”.6

E esta foi sua atitude durante toda a vida terrena: um abismo de bondade, amor e misericórdia.

Renovador fogo do amor divino

Sem embargo, já a Lei Mosaica determinava: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças” (Dt 6, 5). E ainda acrescentava: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19, 18). Dir-se-ia, então, não haver novidade no ensinamento do Salvador.

O Divino Mestre, porém, ampliou este preceito quando disse: “Dou-vos um novo mandamento: Amai-vos uns aos outros. Como Eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13, 34). A partir daquele momento não bastava amar ao próximo: era necessário amar como Ele amava.

Nascimento de Jesus - Basílica da Natividade, Belém (Israel).jpg
Ele veio não só para reparar o pecado como também para elevar os homens
a um novo grau de santidade

Nascimento de Jesus – Basílica da Natividade, Belém (Israel)

“Ele nos amou para que nos amemos mutuamente”,7 sublinha Santo Agostinho. “Este amor, irmãos caríssimos, renovou já então os justos da Antiguidade, os patriarcas e os profetas, como renovou depois os Apóstolos, e é o que também agora renova todos os povos, forma e congrega todo o gênero humano que se espalha pelo orbe, fazendo dele o povo novo […]. Ouvem e observam o ‘mandato novo que vos dou, de amar-vos uns aos outros’, não como se amam os homens por ser homens, mas como se amam por ser ‘deuses’ e filhos todos do Altíssimo, para que sejam irmãos de seu único Filho, amando-se mutuamente como o amor com que Ele nos amou, e conduzi-los ao fim que os sacie e satisfaça todos os seus desejos”.8

Nosso Senhor nos convida, portanto, a ter um amor pelo próximo levado ao ponto de, se preciso for, entregar-lhe a vida, como Ele mesmo o fez. Seguindo seu exemplo, amemo-nos uns aos outros por amor a Deus, levando a todos a luz da salvação. Deste modo, nosso mundo, tão egoísta e afastado dos preceitos divinos, será também renovado pelo fogo do amor divino, trazendo-nos uma nova era, como nos tempos de Jesus. (Revista Arautos do Evangelho, Setembro/2016, n. 177, pp. 36-37)

1 BERTHE, CSsR, Augustin. Relatos bíblicos. Porto: Civilização, 2005, p.24.
2 CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. Homilia da Quinta-feira da I Semana do Tempo do Natal. Caieiras, 5 jan. 2006.
3 Idem, ibidem.
4 SANTA CATARINA DE SENA. O Diálogo. 8.ed. São Paulo: Paulus, 2004, p.38.
5 CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. Paz! Onde estás? In: O inédito sobre os Evangelhos. Città del Vaticano-São Paulo: LEV; Lumen Sapientiæ, 2012, v.V, p.105-106.
6 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. A Igreja: formadora de uma civilização. In: Dr. Plinio. São Paulo. Ano IV. N.41 (Ago., 2001); p.16.
7 SANTO AGOSTINHO. In Ioannis Evangelium. Tractatus LXV, n.2. In: Obras. 2.ed. Madrid: BAC, 1965, v.XIV, p.299.
8 Idem, n.1, p.297-298.

 
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