O estudo dos fatos políticos, sociais, econômicos e culturais de maior importância na vida dos povos comprova um constante progresso nos sistemas de normas de conduta impostas pelo conjunto de instituições que governam as comunidades humanas e que regulam suas relações.
Desta forma, o estudo do Direito se impregna de fatos históricos ao mesmo tempo em que a história da humanidade se embebe do Direito; e assim, podemos afirmar que um vai dando rumo ao outro e vice-versa. Daí a importância de se conhecer as condições sociais da época em que as normas são elaboradas, para que se promova sua justa aplicação.
O mesmo fenômeno ocorre com o Direito Eclesiástico. Sendo também ele produto das relações da comunidade eclesial, não está imune às mutações sociais de várias ordens, uma vez que sua proposta é de regular a existência de uma sociedade visível - a Igreja - sempre sujeita a novas situações e exigências dos homens. Consequentemente, o complexo de leis estabelecidas e aprovadas pela Igreja para o governo da sociedade eclesiástica e a disciplina da relação dos fiéis entre si e com os seus pastores, mesmo não estando desligada do passado de que provém e de seus aspectos imutáveis, é passível de sofrer transformações.
Conforme explicitou o Papa Bento XVI, em seu Motu próprio Omnium in Menten, "em tais normas, é necessário que resplandeça sempre, por um lado, a unidade da doutrina teológica e da legislação canônica e, por outro, a utilidade pastoral das prescrições, mediante as quais as disposições eclesiásticas estão ordenadas para o bem das almas."1 Assim sendo, razões como a finalidade pastoral levam, com frequência, a suprema autoridade da Igreja a determinar mudanças ou acréscimos nas normas canônicas. Por isso, com assiduidade, os estudiosos de Direito Canônico reúnem-se em uma demonstração de submissão à Santa Sé, com o interesse de tornar acessível ao Povo de Deus os incrementos desta legislação.
Dois sérios encontros, que tinham por objetivo justamente debater e estudar as inovações canônicas da Igreja, marcaram o Brasil e a América Latina neste ano de 2010: O XXV encontro da Sociedade Brasileira de Canonistas e o 4º Colóquio Latino-Americano de Direito Canônico.
XXV Encontro da Sociedade Brasileira de Canonistas
Com a promulgação do novo Código de Direito Canônico em 1983, um crescente interesse pela ciência e prática canônicas foi suscitado no Brasil. As novas estruturas eclesiais, a revitalização ou criação de tribunais eclesiásticos, a revisão ou elaboração de estatutos e regimentos adaptados à legislação promulgada, entre outros acontecimentos relacionados com a ciência canônica, urgiam estudos intensos e sérios. As reuniões anuais dos incumbidos de atuar junto aos tribunais eclesiásticos, bem como o expresso desejo e imprescindível apoio da CNBB, tiveram como resultado a fundação de uma associação de estudiosos da matéria no Brasil. Também teve preponderante papel no desenvolvimento desta sociedade a Arquidiocese do Rio de Janeiro, com seu tribunal de alta qualidade e seus bons canonistas, que iniciaram o Instituto Superior de Direito Canônico, e a Revista "Direito e Pastoral", com o apoio determinante do Cardeal Eugênio Sales e de seu Bispo Auxiliar Dom Karl Romer. Na mesma época, por todo o Brasil, foram realizados cursos intensivos sobre o novo Código de Direito Canônico. Deste modo, organicamente, foi surgindo a Sociedade Brasileira de Canonistas, que teve como seu marco fundacional um primeiro encontro oficial realizado em Brasília, em 1986. A partir de então, todos os anos, os membros da sociedade costumam se reunir em alguma parte do Brasil para tratar de assuntos mais relevantes no mundo do Direito Canônico, ademais de fazerem intercâmbio de informações e de realizarem uma assembleia geral, ocasião em que são admitidos os novos membros. Os locais de reunião são muito variáveis, para facilitar a presença dos cerca de 300 sócios espalhados em diversas partes do território nacional.
Conhecida também pela sigla SBC, esta sociedade é atualmente uma associação privada de fiéis, de natureza cultural, tendo por finalidade servir à Igreja no campo específico do Direito Canônico, congregando estudiosos que se dedicam à pesquisa, ao ensino e à prática da legislação Eclesial. O atual Presidente da Sociedade é D. Hugo Cavalcante, OSB, natural de Garanhuns, que é também consultor canônico da CNBB, além de ser tradutor de documentos da Igreja para a língua portuguesa. Este ano, o anfitrião do congresso foi o Tribunal Interdiocesano de Aparecida, presidido pelo Revmo. Côn. Carlos Antonio da Silva. No mesmo evento também se agruparam os Servidores de Tribunais Eclesiásticos do Brasil em seu XXVII encontro. As reuniões se deram no seminário Redentorista Santo Afonso, em Aparecida do Norte, com cerca de 170 canonistas do Brasil: bispos, numerosos presbíteros, diáconos, alguns desembargadores, promotores de justiça e advogados, além de secretários de vários
tribunais eclesiásticos.
A abertura do encontro se deu na segunda-feira dia 12 de julho, com a concelebração Eucarística e Vésperas, presidida por S. Excia. Revma. Dom Moacir Silva, Bispo da Diocese de São José dos Campos - SP e membro da comissão Episcopal para os Tribunais Eclesiásticos de Segunda Instância. Comentando a liturgia do dia, Dom Moacir ressaltou que a recompensa prometida por Nosso Senhor Jesus Cristo aos que se dedicam ao serviço dos seus, também se aplica àqueles que se empenham nos estudos de Direito Canônico, uma vez que este também é um ofício que tem por objetivo a salvação das almas. Durante a cerimônia, o presidente da sociedade, Dom Hugo Cavalcante, OSB, entronizou no encontro uma imagem de São Raimundo de Penaforte, padroeiro dos Canonistas, sublinhando a importância de uma espiritualidade bem vivida mesmo durante os estudos e ressaltando a necessidade da vida de piedade que deveria reinar no encontro entre os membros da Sociedade.
As atividades diárias tinham seu início com a Concelebração Eucarística e as Laudes, e encerravam-se com a celebração das Vésperas. Seguiam-se durante o dia conferências, debates e partilhas de teses de doutorado. Destacamos aqui, os temas das principais palestras:
Orientações para a utilização das competências psicológicas na admissão e na formação dos candidatos ao sacerdócio - Pe. Mestre e Psicólogo José Nacif Nicolau;
A faculdade especial concedida pelo Santo Padre aos Bispos da demissão do estado clerical "in poenam" - Pe. Dr. Tiago Wenceslau;
A Constituição Apostólica Anglicanorum Coetibus - Dom Mestre Hugo da Silva Cavalcante, OSB O Motu próprio Omnium in mentem - Côn. Ms. Carlos Antônio da Silva
O encontro teve sua culminância no quarto dia, quando os participantes se reuniram na Basílica de Aparecida em uma concelebração Eucarística de Ação de Graças pelo ano Jubilar da Sociedade, sob a presidência de Dom Raymundo Damasceno, Arcebispo Metropolitano de Aparecida. Houve também adoração ao Santíssimo Sacramento e procissão em torno do Santuário. Posteriormente, os congressistas se agruparam no auditório da Basílica, onde se deu a entrega da comenda São Raimundo de Penaforte aos principais propulsores da sociedade: o Cardeal Eugênio de Araújo Sales, o Padre Doutor Jesús Hortal Sanchez, SJ e o Pe. Doutor Gervásio Fernandes de Queiroga.
Entre as atividades que finalizaram o congresso realizou-se a XXIV Assembléia Geral da SBC, ocasião em que se estudaram as modificações aos estatutos da associação, e a possibilidade de admissão de novos membros. Foram recebidos na Instituição dois membros da Sociedade Clerical de Vida Apostólica Virgo Flos Carmeli, professores no Instituto Teológico São Tomás de Aquino, os Reverendos Pe. Alex Barbosa de Brito, EP, e o então Diác. Carlos Adriano Santos dos Reis, EP.
4º Colóquio Latino-Americano de Direito Canônico
A Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma realizou entre os dias 26 e 30 de julho, o 4º Colóquio Latino-Americano de Direito Canônico com cerca de 70 participantes. O evento foi organizado pelo Instituto Superior de Direito Canônico do Rio de Janeiro, erigido em 1984 por decreto da Congregação para a Educação Católica, e confiado permanentemente ao Ordinário Diocesano, sendo agregado à Faculdade de Direito Canônico da sobredita universidade romana.
O colóquio, realizado no Centro de Estudos e Formação do Sumaré, teve sua abertura com as boas vindas do Revmo. Pe. Dr. José Gomes Moraes, diretor do Pontifício Instituto de Direito Canônico do Rio de Janeiro. Segundo o Pe. Gomes, o evento é uma circunstância para reunir e aproximar mais alunos e ex-alunos da Pontifícia Universidade Gregoriana e institutos coligados, e, sendo realizado no Rio, também seria uma oportunidade para trazer mais o espírito inaciano à Cidade Maravilhosa. Também o Pe. Dr. Michael Hilbert, SJ, Decano da Pontifícia Universidade Gregoriana - Roma, se pronunciou, contando um pouco a história deste evento, realizado anualmente, e explicando que em sua raiz está o desejo daquela Universidade de se empenhar na formação permanente de seus ex-alunos. As atividades de cada dia do simpósio eram iniciadas por uma concelebração Eucarística.
Entre os conferencistas destacamos os professores da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, Padre Michael Hilbert, Padre Damián G. Astigueta e Padre Sugawara, o Presidente do Pontifício Conselho para Interpretação dos Textos Legislativos, Monsenhor Francesco Coccopalmerio e o diretor do Pontifício Instituto Superior de Direito Canônico, Padre José Gomes Moraes. A temática do colóquio girou em torno de temas de extrema importância para a vida da Igreja, tais como Processos de nulidade e sua urgência pastoral; Reflexões sobre o conceito de paróquia; Relação entre o bispo e seu presbitério; Delitos imprescritíveis no Direito Canônico e a importância dos bens temporais na Igreja.
Durante o congresso, o arcebispo do Rio de Janeiro (RJ), Dom Orani João Tempesta, Chanceler Delegado do Instituto Superior de Direito Canônico do Rio de Janeiro, foi condecorado com a Comenda São Roberto Belarmino, pela Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma. A Comenda foi outorgada pelo decano da instituição, padre Michel Hilbert, da Companhia de Jesus, no dia 29 de julho, no Palácio da Mitra Arquiepiscopal. A solenidade contou com a presença de diversas personalidades civis e religiosas, muitas das quais participavam da quarta edição do Colóquio Latino-Americano de Direito Canônico.
1 BENTO XVI. Carta Apostólica sob forma de motu próprio Omnium in mentem. 26 out. 2009
(Retrospectiva 2010: Instituto Teológico São Tomás de Aquino e Instituto Filosófico Aristotélico-Tomista, p. 32 à 35)