Prezados Irmãos Bispos: Saúdo-vos todos com afeto fraternal e rezo para que esta peregrinação de renovação espiritual e comunhão profunda, vos confirme na Fé e na dedicação à vossa tarefa de Pastores da Igreja nos Estados Unidos da América.

Como sabeis, tenho a intenção de refletir convosco, ao longo deste ano, sobre alguns dos desafios espirituais e culturais da nova evangelização. 

Correntes culturais hostis ao Cristianismo

Um dos mais memoráveis aspectos da minha Visita Pastoral aos Estados Unidos foi a oportunidade que ela me ofereceu de refletir sobre a experiência histórica americana da liberdade religiosa e, mais especificamente, sobre a relação entre religião e cultura.

No centro de qualquer cultura, seja ou não percebido, existe um consenso sobre a natureza da realidade e do bem moral, e, portanto, sobre as condições para a prosperidade humana. 

Nos Estados Unidos, esse consenso, conforme consta nos documentos de fundação da nação, fundamentava-se numa visão do mundo modelada não apenas pela Fé, mas também pelo compromisso com alguns princípios éticos derivados da natureza e do Deus da natureza.

Esse consenso reduziu-se de modo significativo hoje, perante novas e potentes correntes culturais que não apenas se opõem aos ensinamentos morais centrais da tradição judaico-cristã, mas são também cada vez mais hostis ao Cristianismo como tal. 

Ameaça para a própria humanidade

Por sua vez, a Igreja nos Estados Unidos é chamada a proclamar em todo tempo, oportuno e inoportuno, o Evangelho que não só propõe verdades morais imutáveis, mas as propõe precisamente como chave para a felicidade humana e a prosperidade social.[1]

Na medida em que algumas tendências culturais atuais possuem elementos que querem limitar a proclamação dessas verdades – quer restringindo-a nos confins de uma racionalidade meramente científica, quer suprimindo-a em nome do poder político e do governo da maioria – elas representam uma ameaça não apenas para a Fé cristã, mas também para a própria humanidade e para a verdade mais profunda sobre o nosso ser e nossa vocação última, o nosso relacionamento com Deus. 

Quando uma cultura tenta suprimir a dimensão do mistério último e fecha as portas à verdade transcendente, ela se empobrece inevitavelmente e se torna presa – como intuiu com tanta clareza o Papa João Paulo II – de uma leitura reducionista e totalitarista da pessoa humana e da natureza da sociedade.

O testemunho da Igreja é público por sua natureza

Com sua longa tradição de respeito pela justa relação entre Fé e razão, a Igreja desempenha um papel crucial na luta contra as correntes culturais que, com base num individualismo extremo, procuram promover conceitos de liberdade separados da verdade moral. 

Nossa tradição não fala a partir de uma fé cega, mas sim de uma perspectiva racional que liga o nosso empenho por construir uma sociedade autenticamente justa, humana e próspera à nossa certeza fundamental de que o universo possui uma lógica interna acessível à razão humana.

A defesa, da parte da Igreja, de um raciocínio moral baseado na lei natural funda-se na sua convicção de que esta lei não constitui uma ameaça para a nossa liberdade, mas uma “linguagem” que nos permite compreendermos a nós mesmos e a verdade do nosso ser, e de modelar desta forma um mundo mais justo e mais humano.

Ela propõe, portanto, seu ensinamento moral como uma mensagem, não de coerção, mas de libertação, e como base para construir um futuro seguro. 

O testemunho da Igreja é, pois, por sua natureza, público: ela tenta convencer propondo argumentos racionais no domínio público.

A legítima separação entre Igreja e Estado não pode ser interpretada como se a Igreja devesse calar sobre certos temas, nem como se o Estado pudesse escolher não se implicar, ou ser implicado, pelas vozes dos crentes empenhados em determinar os valores que deverão forjar o futuro da nação.

Tentativas de limitar a liberdade religiosa

À luz destas considerações, é fundamental que toda a comunidade católica nos Estados Unidos consiga compreender as graves ameaças ao testemunho moral público da Igreja, representadas por um secularismo radical que encontra cada vez mais expressão nos âmbitos político e cultural.

A seriedade destas ameaças deve ser entendida com clareza em todos os níveis da vida eclesial. Particularmente preocupantes são algumas tentativas de limitar a liberdade mais apreciada na América, a liberdade de religião.

Muitos de vós sublinharam que foram realizados esforços concertados para negar aos indivíduos e às instituições católicas o direito de objeção de consciência no concernente à cooperação em práticas intrinsecamente más.

Outros falaram-me sobre a preocupante tendência de reduzir a liberdade religiosa a uma mera liberdade de culto, sem garantir o respeito à liberdade de consciência.

Necessidade de preparar líderes leigos comprometidos

Constatamos aqui, mais uma vez, a necessidade de um laicato católico comprometido, articulado e bem formado, dotado de um forte senso crítico perante a cultura dominante e de coragem para enfrentar um secularismo redutivo que tencionaria deslegitimar a participação da Igreja no debate público sobre questões que determinam o futuro da sociedade americana. 

A preparação de líderes leigos comprometidos e a apresentação de uma articulação convincente da visão cristã do homem e da sociedade continuam sendo a tarefa principal da Igreja no vosso país.

Como componentes essenciais da nova evangelização, essas preocupações devem modelar a visão e os objetivos dos programas catequéticos em todos os níveis.

A este respeito, gostaria de mencionar com estima vossos esforços por manter contatos com os católicos comprometidos na vida política e ajudá-los a compreender sua responsabilidade pessoal de dar testemunho público de sua Fé.

Sobretudo no concernente às grandes questões morais de nosso tempo: o respeito pelo dom divino da vida, a proteção da dignidade humana e a promoção dos autênticos direitos humanos.

Como observou o Concílio, e como eu quis reiterar durante a minha Visita Pastoral, o respeito pela justa autonomia da esfera secular deve tomar em consideração também a verdade de que não existe setor de questões terrenas que possa ser subtraído ao Criador e ao seu domínio.[2]

Não há dúvida de que um testemunho mais coerente das suas convicções mais profundas, da parte dos católicos da América, daria um importante contributo para a renovação da sociedade no seu conjunto.

Uma esperança que leva a renovar esforços

Queridos Irmãos Bispos, nestes breves comentários eu quis abordar algumas das questões urgentes que deveis enfrentar no vosso serviço ao Evangelho, e sua importância para a evangelização da cultura americana.

Ninguém que olhe com realismo tais questões pode ignorar as autênticas dificuldades que a Igreja encontra no momento atual. 

Mas, na verdade, podemos sentir-nos encorajados pela crescente consciência da necessidade de preservar uma ordem civil claramente enraizada na tradição judaico-cristã.

Assim como pela promessa que oferece uma nova geração de católicos, cujas experiências e convicções desempenharão um papel decisivo ao renovar a presença e o testemunho da Igreja na sociedade americana. 

A esperança que nos oferecem esses “sinais dos tempos” é, de per si, um motivo para renovar nossos esforços a fim de mobilizar os recursos intelectuais e morais de toda a comunidade católica a serviço da evangelização da cultura americana e da edificação da civilização do amor.

 

Excerto do Discurso a um grupo de Prelados dos Estados Unidos, em visita “ad limina”, 19/1/2012 – Tradução: Arautos do Evangelho.

Notas
[1] Cf. Gaudium et spes, n.10. 
[2] Cf. Gaudium et spes, n.36.