Agitada e dilacerada pelas guerras de religião, a Europa via as falanges de Inácio de Loyola multiplicarem-se rapidamente, de modo quase miraculoso.

A passagem desses austeros pregadores desencadeava verdadeiras ondas de conversão e de reforma de vida, em ambientes muitas vezes dominados pela euforia renascentista da idolatria do prazer.

As multidões se apinhavam nas igrejas e, à palavra dos discípulos do convertido de Manresa, as lágrimas escorriam pelas faces, as mãos golpeavam o peito e os bons propósitos floresciam com abundância.

Em casos não raros, o colorido traje de corte quinhentista era definitivamente abandonado em prol da batina preta de noviço jesuíta.

Assim foi com o Bem-Aventurado Inácio de Azevedo e os companheiros que, com total alegria, o acompanhavam para a maior aventura de suas vidas: a evangelização do Brasil.

Porém, quis Deus outra coisa deste segundo Inácio e dos trinta e nove irmãos noviços que o seguiam…

A partida e a viagem

No dia 5 de junho de 1570, a armada de Dom Luís de Vasconcelos, novo Governador do Brasil, levantou âncora na foz do Tejo, levando o esquadrão de voluntários. O Pe. Inácio, com trinta e nove companheiros, viajava a bordo da nau mercante São Tiago.

Em poucos dias, aquela embarcação tornou-se cenário digno do melhor retiro inaciano. Os irmãos e noviços reuniam-se em torno do Pe. Inácio e passavam os dias em orações, conversas edificantes e leituras em conjunto, acompanhadas às vezes pelos belos acordes da polifonia sacra.

Os próprios marinheiros, cujos costumes e linguagem não eram sempre dos mais recomendáveis, foram influenciados pelo ambiente geral e participavam alegremente de longos entretenimentos sobre as verdades da Fé. E o exame de consciência, ao pôr do sol, encerrava-se com o canto da Salve Rainha.

Poucos dias foram suficientes para aportar na Ilha da Madeira. Mas Dom Luís de Vasconcelos não parecia ter muita pressa em chegar ao Brasil e decidiu permanecer ali por várias semanas, motivando a impaciência do capitão da São Tiago, o qual pediu licença para navegar a sós até às Canárias.

O Pe. Inácio Azevedo era contrário a tal temeridade e recordou aos seus súditos a possibilidade de serem atacados pelos corsários em alto-mar, deixando-lhes liberdade de escolher entre continuar na São Tiago ou aguardar junto à armada.

Um corçário à caça de jesuítas

Um ímpeto de entusiasmo lhe respondeu: não queriam abandoná-lo!

E a nau partiu sozinha, levando o seu pequeno exército de candidatos ao martírio e arribando felizmente a um pequeno porto nas Canárias, onde foram carinhosamente recebidos e permaneceram por cinco dias, esperando bons ventos para acolher-se à cidade de Las Palmas.

Tudo indicava que o Pe. Inácio recebera ali claros sinais do Céu sobre a sorte que os esperava, pois, a partir de então, suas palavras de encorajamento sempre versavam sobre a beleza do martírio e o serviço prestado a Deus por aqueles que entregam suas vidas pela Fé Católica.

Entrementes, Dom Luís de Vasconcelos, ainda na Madeira, mandava as suas naus saírem precipitadamente da barra para perseguir alguns navios que despontavam ao largo. Tratava-se de Jacques Sória – corsário francês a serviço da rainha da Navarra, Joana d’Albret, e famoso por seu fanatismo anticatólico e sanguinário – que partira de La Rochelle, à caça dos jesuítas.

Porém, o pirata não ousou enfrentar a esquadra portuguesa e retomou o alto-mar, aproximando-se de Las Palmas, exatamente quando os peregrinos, após partirem, avistavam o porto desejado. Foi nesse momento que o vigia da São Tiago deu o alarme: “Naus à vista!”

O martírio

Tudo aconteceu rapidamente: enquanto os inimigos cercavam a sua presa, procurando a abordagem, os filhos de Santo Inácio reuniram-se junto ao mastro central da São Tiago, em torno do seu superior, o qual mantinha erguida uma imagem de Nossa Senhora, cópia fiel da famosa Salus Populi Romani que se venera na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma.

Entoaram então a Ladainha Lauretana e ofereceram a Deus suas vidas em alta voz.

O Pe. Azevedo designou um grupo para proclamar a Fé Católica durante a luta e socorrer os combatentes feridos, enquanto os outros permaneceriam rezando sem cessar. Ele próprio manteve-se até o fim ao pé do grande mastro, exposto ao furor da peleja.

Teve início, então, um breve duelo de artilharia, cujo resultado era fácil de prever, dada a enorme desigualdade de forças.

O irmão Bento de Castro dirigia a oração dos noviços, mas, em certo momento, abraçou-os a todos, correu à proa onde fervia a batalha e, empunhando o crucifixo, permaneceu de pé na amurada, proclamando aos brados a sua fé, até cair nas ondas atravessado de punhaladas. Foi o primeiro mártir.

Por fim, as embarcações do francês, apertando o cerco, despejaram a multidão dos atacantes no tombadilho da nau.

As injúrias dos calvinistas contra os “papistas” eram dominadas pela voz de Inácio de Azevedo, o qual, com a imagem de Maria erguida junto ao peito, exortava os católicos a morrerem pela sua fé e lembrava ao inimigo o risco da perdição eterna.

A pequena tripulação já não conseguia conter a avalanche dos corsários, e um destes, aproximando-se afinal do Pe. Inácio, desferiu-lhe tremenda espadagada no crânio.

Mas o mártir, sem recuar um passo e recebendo novas estocadas, proclamou ao cair: “Todos me sejam testemunhas de que morro pela Fé Católica e pela Santa Igreja Romana!”

O rufar de um tambor em meio ao combate

O Pe. Francisco Álvares ministrou-lhe a última absolvição, e então os irmãos e noviços acorreram, debruçando-se sobre o pai querido e abraçando-o entre lágrimas, enquanto ele os animava: “Filhos, não temais! Eu vou adiante, aparelhar-vos as moradas”.

O capitão da São Tiago caiu varado de cutiladas e assim os piratas dominaram inteiramente o tombadilho, atirando-se ferozmente contra os religiosos e fazendo entre eles horrível chacina.

O Irmão Manuel Álvares, que em Portugal recebera a revelação do seu próprio martírio, permaneceu rufando um tambor em meio ao combate e bradando aos inimigos tudo quanto pensava sobre a sua impiedade. Teve seus membros quebrados a coronhadas, sem soltar um gemido.

O corpo do Pe. Azevedo, com os braços em cruz, também foi repousar no mar, sob o olhar dos seus súditos. E o noviço Francisco de Magalhães, de vinte anos, ostentava na face, com ufania, o sangue do seu santo superior, a quem abraçara enternecido.

O Irmão Aleixo Delgado, pequeno e franzino, teve a sua cabeça apertada com tanta força, que o sangue lhe jorrava abundante pelo nariz, enquanto dava grandes risadas, feliz por receber os primeiros golpes que o levariam ao martírio.

As preces dos mártires

Jacques Sória ordenou peremptoriamente que todos os jesuítas deveriam ser mortos, com exceção do cozinheiro, João Sanches, o qual seria reservado para prestar seus serviços como escravo.

E assim foi consumada aquela jornada: atravessados por punhais ou talhados por espadas, os últimos filhos de Santo Inácio foram arremessados ao oceano sem piedade.

O sobrinho do capitão, apelidado de “São Joaninho”, tinha recebido do Pe. Azevedo a promessa de ser admitido na Companhia antes de aportar no Brasil. Ofereceu-se então para morrer em lugar do cozinheiro e completou assim o número de quarenta mártires.

Por longo tempo se ouviram as preces dos mártires sobre as águas tranquilas, enquanto os discretos esplendores do entardecer iluminavam o corpo do Pe. Inácio, ainda flutuando com o sagrado quadro de Nossa Senhora.

E na longínqua Espanha, a grande Santa Teresa d’Ávila recebia naquele momento a visão de tudo quanto acontecera na nau São Tiago e do triunfo dos gloriosos quarenta mártires.

A doação total de quarenta mártires

Misteriosos são os desígnios de Deus em relação às almas.

Quantos, ao longo da História da Igreja, sentiram-se chamados pela Divina Providência a determinadas missões e, depois de se devotarem a elas com todo empenho, morreram sem verem cumpridos os seus nobres anseios!

Entretanto, enganar-se-ia quem concluísse haver nesses casos um equívoco da parte daqueles que apenas obtiveram, como fruto aparente, a decepção e o fracasso.

Quando Deus acende algum desejo no coração de um apóstolo, mais do que a realização da obra iniciada, deseja Ele a oferenda generosa de uma alma que decidiu entregar-se sem laivos de egoísmo ou autorrealização. Em uma palavra, Ele não quer tanto aquilo, mas aquele.

Inácio de Azevedo, com a sua jovem falange, alimentava ardentemente o desejo de ver um Brasil florescente de virtudes, cuja nova civilização fosse toda alicerçada na Fé Católica.

Entretanto, em meio àquela navegação rumo à realização do seu ideal, Deus o chamou, como se lhe dissesse: “Inácio, não verás mais o Brasil. Vem a Mim!”

E ele soube responder ao convite com inteira paz de alma. De Inácio, Deus queria, sobretudo, o próprio Inácio, mais do que o Brasil.

E quem sabe se, para a grandeza deste país, Deus queria daqueles quarenta mártires a conquista misteriosa e sobrenatural de grandes glórias num porvir que eles nem sequer suspeitavam?

Ao contemplar as praias do nosso litoral, onde as ondas afáveis e graciosas parecem oscular a areia e retirar-se com saudades, somos levados a pensar naquele esquadrão dos quarenta mártires.

E, cheios de emoção, ao lembrar que essa espuma luminosa vem irrigada por sangue tão fecundo, gota d’água no cálice do Preciosíssimo Sangue do Redentor, cantamos com a Sagrada Liturgia: “Alegram-se nos Céus as almas dos Santos que seguiram os passos de Cristo e que, por seu amor, derramaram o seu sangue. Com Ele exultam eternamente!”