– Isso não! – protestou Jacinta. – Mande-me fazer outra coisa. Por que não me manda beijar aquele Nosso Senhor que está ali?!
Era de fato um Crucifixo que estava pendurado na parede.
– Está bem – respondeu Lúcia. – Suba numa cadeira, traga-o até aqui e, de joelhos, dê-lhe três abraços e três beijos: um pelo Francisco, outro por mim, e outro por você.
– Em Nosso Senhor dou todos os que você quiser.
Dizendo isso, correu até o crucifixo. Beijou-o e abraçou-o com tanta devoção, que Lúcia nunca mais se esqueceria desse gesto. Jacinta deteve-se a observar com atenção a imagem do Crucificado, e perguntou:
– Por que Nosso Senhor está assim pregado numa cruz?
– Porque morreu por nós.
– Conte-me como foi.
Cativante narradora, Lúcia transmitiu à prima o que conhecia da história da Paixão. Ao ouvir a descrição dos sofrimentos de Jesus, a pequenina enterneceu-se até as lágrimas. E, muitas vezes depois, pedia que lhe repetisse essa história. Sempre chorava, compadecida, e em sua candura de alma dizia:
– Coitadinho de Nosso Senhor! Eu não vou fazer nunca nenhum pecado! Não quero que Nosso Senhor sofra mais!
Eis aí um tocante exemplo da retidão e candura de alma de Jacinta.
Era uma menina com o físico natural das crianças de sua idade: bem desenvolvida, robusta, mais magra que gorda, o rosto bronzeado pelo sol da serra. Protegidos por acentuadas sobrancelhas, reluziam-lhe na face de curvas gentis dois olhos grandes e castanhos, exprimindo toda a vivacidade que a animava. Tinha um coração com muito boas inclinações, enriquecido com um caráter doce e meigo, que a tornava amável e atraente.
Com freqüência, ao entardecer ela saía para o terreiro à frente de sua casa e ali admirava a beleza do pôr-do-sol e o surgimento do céu estrelado. Entusiasmava-se com as lindas noites de luar e competia com o irmão e a prima para ver quem era capaz de contar as estrelas, às quais chamavam de lamparinas ou candeias dos anjos. A lua era a de Nossa Senhora, e o sol, a de Nosso Senhor. Francisco era entusiasta do sol, mas Jacinta às vezes dizia:
– Ainda gosto mais da candeia de Nossa Senhora, que não nos queima nem cega. E a de Nosso Senhor, sim…
Não obstante essa preferência, manifestava diversas vezes, com gestos e expressões comovedoras, seu intenso amor a “Jesus escondido” (como os três se referiam ao Santíssimo Sacramento), ardendo no desejo de recebê-lo, o quanto antes, na Primeira Comunhão. À espera desse momento, tinha especial prazer em imitar o Divino Redentor, como lembra a Irmã Lúcia:
“Jacinta gostava também muito de agarrar os cordeirinhos brancos, sentar-se com eles no colo, abraçá-los, beijá-los, e, à noite, trazê-los ao colo para casa, a fim de que não se cansassem. Um dia, ao voltar, meteu-se no meio do rebanho.
– Jacinta – perguntei-lhe -, para que você vai aí, no meio das ovelhas?
– Para fazer como Nosso Senhor, que, naquele santinho que me deram, também está assim, no meio de muitas, e com uma ao colo!…”
Entre Francisco e Jacinta parecia haver semelhanças apenas nas feições do rosto e na prática da virtude. Ao contrário de sua irmã, o menino era pacífico e condescendente. Quando, nas brincadeiras com seus amigos, alguém insistia em lhe negar seus direitos de vencedor, cedia sem resistência, dizendo: “Você pensa que ganhou? Está bem! A mim isso não importa!”
Seu jogo predileto era o das cartas, e não manifestava, como Jacinta, o gosto pela dança. Preferia tocar pífaro e cantar, enquanto os outros dançavam. À noite, entretinha-se também a contar as estrelas.
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